DEZEMBRO/2024 - 57a. edição


 

O artigo é...

O matuto que foi senador da República

*Manoel Ferreira Lira

 

 

 

           Com oito anos, idade em que crianças de todo mundo brincam quase todo o dia, afora os momentos de sono, o menino João era diferente: órfão da mãe, Maria Josefa de Melo, que deixou o marido, Salustiano José dos Santos, com oito filhos, foi praticamente criado pelo tio Pedro Correia das Graças. Mas na roça, já trabalhando nas terras de alugadas de  João Nunes Magalhães, para que conseguisse ajudar no sustento das famílias, de Pedro Correia e de Salustiano. Principalmente ele e seus irmãos maiores, Manoel Lúcio da Silva e José Lúcio de Melo. Foi nas terras dos Caititus, nas Arapiraca.

          De trabalhador braçal, nas rodas das casas de farinha, João Lúcio chegou, com 18 anos a substituir seu primo, Marciano Ferreira, nas empresas de Antônio Apolinário. Isto em 1932. Nesta época, seu irmão, José Lúcio, também começou a trabalhar como balconista na loja de Luiz Pereira Lima.

            Mesmo no trabalho nas empresas de Antônio Apolinário, o rapaz João Lúcio não deixava o convívio com as terras de Arapiraca, e assim, e    m 1936, já casado com Inez Nunes da Silva (órfã aos 7 anos de Antônio Nunes da Silva e Antônia Madalena da Conceição), plantava e vendia o mais novo produto agrícola da região: o fumo.

            E João Lúcio torna-se proprietário: com uma herança de sua esposa Inez, recebe trinta tarefas de terra no sítio Cavaco. Planta e cultiva o fumo, desde mudas até a cura em sequeiros, enrolando-o e vendendo na feira de Arapiraca, município já independente desde 1924. Nesta época, melhorando de vida, estabelece-se também com uma mercearia, vendendo de tudo um pouco, além de construir um bangalô no lugar da casa de taipa onde morava. Era a década de 40.  

A política

            Com a grande especulação do fumo em corda, João Lúcio passa a armazená-lo, esperando sempre o melhor momento para vende-lo. Os lucros foram grandes e o menino da roça, já musculoso financeiramente, com uma prole numerosa (ao todo, nascidos no Cavaco foram nove filhos), passa a fazer parte da política do município. Primeiramente, e ainda morando afastado da urbana, apoia seu irmão José Lúcio de Melo a vereador, no ano de 1947, pela União Democrática Nacional – UDN.

            Os Lúcio, João, José e Manoel entram de vez na política, fazendo oposição ao líder Luiz Pereira Lima, do Partido Social Democrático, o PSD. E ao governador Silvestre Péricles de Gois Monteiro. Foram tempos difíceis, com acusações de parte a parte. Mesmo ainda morando afastado do centro de Arapiraca, o apoio ao irmão político foi importante.

            Tempos difíceis. Depois da eleição de Claudenor Lima, filho de Luiz Pereira Lima, a deputado estadual, os Lúcio, querendo mostrar força política, elegem o médico José Marques da Silva também deputado estadual. E o conflito fica iminente.

            Tiroteios, mortes (do vereador Benício Alves e do deputado Marques da Silva), fugas, lágrimas, choro. Era o dia a dia de Arapiraca, que elegeu o menino pobre João Lúcio prefeito do município. Em dois de fevereiro de 1956, dia de festividades religiosas em Arapiraca (comemora-se Nossa Senhora do Bom Conselho), a Câmara de Vereadores, sob a presidência do irmão-vereador José Lúcio de Melo,  dá posse ao novo prefeito, iniciando-se uma nova era na política e administração municipal.

Duas vezes prefeito

            Realmente no primeiro período em que foi prefeito, João Lúcio não fez uma administração primorosa. Além de continuar com problemas políticos muito grandes, sem apoio do governador Muniz Falcão, adversário, tinha de conviver com inimigos políticos importantes – os Pereira, principalmente na pessoa do deputado Claudenor Lima. Ele, seu irmão José Lúcio de Melo e o vereador José Pereira Lúcio, o deputado Marques da Silva e alguns correligionários sofriam constantemente as adversidades políticas. Exemplo: já havia sido assassinado o vereador Benício Alves, em outubro de 1956. E onze dias após a posse, o prefeito viu seu amigo e correligionário deputado Marques da Silva ser também assassinado. Foram tempos difíceis.

João Lúcio quando do assassinato do deputado Marques da Silva. Foto de 1957.

            Pela segunda vez, porém, em 1966, voltou a administrar o município, sucedendo o prefeito Francisco Pereira Lima, que havia ajudado a ser eleito. E aí deslanchou como administrador, tendo como secretário-geral da Prefeitura seu filho Narcizo Lúcio. Arapiraca passa a figurar, já praticamente pacificada politicamente, como uma dos principais municípios do Nordeste, em crescimento e desenvolvimento. Fez importante administração, elegendo o sucessor João Batista Pereira da Silva.

            Durante seu tempo como prefeito, participou de eleições importantes; Era a principal figura nas eleições de José Lúcio de Melo a deputado estadual e José Pereira Lúcio a deputado federal.

            E a paz vivia em Arapiraca!  

Tentativa de paz entre a UDN e o PSD: os Lúcio e os Pereira. Foto tirada na praça Luiz Pereira Lima.

Senador da República

            Sizudo, mas não rude, João Lúcio continuava a labuta diária sem sofreguidão. De casa aos armazéns de amigos, olhando e/ou negociando fumo em corda. Com amigos ou mesmo adversários políticos. Para ele, não havia escolha política: interessava o produto a ser comprado e seu preço. Às noites, depois do terço a Nossa Senhora e a janta com a família, ir ao coreto da praça Marques da Silva e, junto aos correligionários, saborear um bom “papo”. Era o ano de 1981

Mas, foi aí que surgiu o Senado Federal: sob a presidência do senador Jarbas Passarinho, a mesa diretora convocava o matuto João Lúcio para assumir, na licença do senador Arnon de Melo, uma das três cadeiras de Alagoas. Foi amigo dos senadores Jarbas Passarinho e Nilo Coelho.

E saiu do aconchego de sua residência a um apartamento da SQS 309, em Brasília. Ou, como diziam alguns, com uma ponta de inveja ou orgulho, do Cavaco, em Arapiraca, a Brasília, capital da República. De suplente, passou a titular em setembro de 1983, com a morte do senador Arnon de Melo.

Durante o pouco tempo que foi senador, de 1981 a 1983, tornou-se amigo dos senadores Jarbas Passarinho, do Pará, e Nilo Coelho, de Pernambuco. Acompanhou o senador Jarbas Passarinho a Assembléia Legislativa de Alagoas, quando este recebeu o título de Cidadão Alagoano.

Manifestou-se duas vezes sobre amigos e políticos de Alagoas. Sobre Arnon de Melo, disse em pronunciamento no Senado: “O dia 29 _de setembro amanheceu, em todo o País, tristonho. A própria natureza parecia que também estava nessa mesma situação, principalmente em Alagoas.

“Arnon de Mello, aquele menino pobre, estudioso, dedicado fazendo jornalismo, era, sem dúvida nenhuma, uma figura das mais importantes. O Brasil, principalmente Alagoas, perdeu um grande filho, um filho nobre. Fundou o jornal O Eco em Alagoas. No Rio de Janeiro, ficou no jornal A Vanguarda. Arnon de Mello trabalhou ainda no Diário de Notícias, com muita honra para todos os alagoanos. Seu sonho era jornal. Em seguida, Arnon de Mello formou-se em Direito. Daí para frente o seu sonho era casar. E Arnon procurou casar-se, e casou muito bem com Leda Collor, filha de Lindolfo Collor, que foi Ministro do Governo Getúlio Vargas.”

           

             Acerca de Teotônio Vilela, em homenagem no senado, disse: “Associo  meus sentimentos na tarde de hoje, junto aos dos demais colegas que aqui falaram, com relação a Teotônio Vilela.

"Teotônio Vilela, o meu grande amigo, o meu grande colega, juntos trabalhamos ombro a ombro, em todas as campanhas políticas. Tive a grande honra de trabalhar para Teotônio Vilela em todas suas eleições. Teotõnio Vilela era um hóspede da minha casa, mesmo nos banquetes, em Arapiraca, sempre me pedia: Lúcio, quero comer na sua casa. E ele se fez um irmão. Sr. Presidente. não tenho condições de falar sobre Teotõnio Vilela na tarde de hoje, pois estou profundamente pesaroso.

“Aquele homem. o alagoano, o brasileiro que todos n6s conhecemos. ultrapassou os limites. porque apesar de pouco estudo, sem formação universitária, alcançava

mais longe do que muitos e muitos homens formados em faculdades. Teotônio Vilela deixou uma lacuna na vida do País, que jamais poderá ser preenchida, quer pela sua honradez, quer pela sinceridade com que sempre agiu.”

João Lúcio (esposa Inez e filho Carlos Hamilton), tendo à direita o professor Raimundo Araújo, Maria Lira e Maristela Porto.

 

            Esse foi João Lúcio da Silva, matuto nascidos nos Caititus, passando pelo Cavaco e praça Marques da Silva, todos em Arapiraca, que, por destino, foi Senador da República.

 

Referências

 

  1. Câmara Municipal de Arapiraca (3ª. Legislatura – 1955/1958);
  2. Câmara Municipal de Arapiraca (6ª. Legislatura – 1967/1970);
  3. Diário do Congresso Nacional (edição no. 143, 26/10/1983);
  4. Diário do Congresso Nacional (edição no.163, 29/11/1983);
  5. Globo (18/7/85); INF. FAM. Ana Alice da Silva (18/7/1985);
  6. Memória Viva – Arapiraca (livro em pdf, 2019);
  7. Zezito Guedes, “Arapiraca através dos tempos”, 1999.

 

Senador João Lúcio da Silva.

*Jornalista

(Publicado no JORNAL DE ARAPIRACA, edição 196, 2021)