DEZEMBRO/2024 - 57a. edição
Seja escritor
CARTAS
DE
UM MORTO
Uma explicação
A vida política do deputado Marques da Silva pode ser contada através da escrita, isto é, da linguagem escrita através de telegramas, discurso em sessão da Assembléia Legislativa, em carta libelo ao diretório nacional da União Democrática Nacional, que tinha como presidente o mineiro Milton Campos; ou mesmo, carta inacabada ao compadre e amigo Pedro Vieira (o Pedrito), primo de sua mulher.
De qualquer das formas, nota-se que gostava de escrever. Aliás, inúmeras cartas são guardadas com amor por sua mulher Maria Feitosa Vieira, que depois do casamento, passou a assinar Maria Vieira Marques da Silva. Em longa dissertação ao programa Raízes de Arapiraca, disse ela que recebia cartas quase que diariamente. Ela, já farmacêutica (tinha estudado esse formado em Salvador, Bahia), ele, terminando os estudos de medicina, na mesma faculdade.
Nos telegramas, principalmente aos deputados federais de seu partido – a UDN, Marques da Silva comunicou o trucidamento do correligionário Benício Alves de Oliveira, vereador por Arapiraca, cujos assassinos nunca condenados. Ou, juntamente com o presidente de seu partido em Alagoas e também presidente da Assembléia Legislativa, deputado Mário Guimarães, ao presidente nacional da União Democrática Nacional, Milton Campos. Ou, através de discursos no plenário da Assembléia Legislativa. Num desses discurso, cobrando do governador do Estado, Muniz Falcão, a retirada de um delegado de polícia de Arapiraca, que trouxe um pouco de paz àquela terra conturbada pela política intransigente entre udenistas e pessedistas, cabanos e caras-pretas.
Gostava de se comunicar. A saber uma carta inacabada dirigida a seu compadre, encontrada no bolso da camisa molhada de seu sangue, no dia de seu assassinato.
Seus correligionários e amigos também se expressaram muito por discursos, a saber os deputados Segismundo Andrade, Oceano Carleial, Armando Lages, José Affonso de Mello; ou os senadores Rui Palmeira, Ezechias da Rocha e Freitas Cavalcante.
Neste trabalho, uma tentativa de contar os fatos ocorridos na política arapiraquense, nos idos de 54/55/56/57, através da escrita: discursos, cartas, telegramas, ofícios – estes do Tribunal de Justiça de Alagoas ao governador Muniz Falcão, e vice-versa.
Está aqui, também, o discurso de deputado Afonso Arinos, no dia 8 de fevereiro de 1957, um dia após a morte do deputado alagoano, e que era líder do bloco da oposição ao presidente Juscelino Kubitschek, cobrando providências sobre os fatos tristes ocorridos em Arapiraca.
Há, outrossim, um poema de autor anônimo, escritos ainda no momento de dor e distribuído no dia do enterro do deputado, realizado no cemitério da Piedade, em Maceió.
Prólogo
Durante todo o processo deste livro o autor preocupou-se de não tomar partido entre assassinos e assassinado, entre uns e outro, nem ideológica nem partidariamente. Houve a preocupação de se levantar fatos escritos por diversas personagens que habitaram o cotidiano dos anos 56/57 em Alagoas. Seja através de telegramas, cartas, requerimentos, discursos, indicações parlamentares, editoriais e reportagens de jornais, ou até mesmo por intermédio de ofícios, a comunicação sempre foi a forma final entre adversários e amigos políticos.
Deputados falaram através de telegramas, discursos, oratória: o Tribunal de Justiça de Alagoas e o governador Muniz Falcão por intermédio de ofícios: senadores, por discursos; a Mesa da Assembléia Legislativa de Alagoas por intermédio por telegrama; o presidente da República, Juscelino Kubitschek, também por telegrama. O deputado mais votado de Alagoas, Marques da Silva, além da oratória no parlamento estadual, por cartas e discursos.
Aqui, estão a “carta testamento”, em que se dirigiu ao Diretório Nacional da União Democrática Nacional - UDN , cujo presidente era o político mineiro Milton Campos, e uma carta inacabada, datada de 7 de fevereiro, dia do assassinato, encontrada no bolso de sua camisa, endereçada ao seu compadre Pedrito (Pedro Vieira, de Pão de Açúcar). Nesta carta está escrita em papel de bloco de receita médica, onde o deputado diz ser médico clínico com especialidades em olhos, nariz, garganta.
Foram pesquisados os jornais Gazeta de Alagoas, Jornal de Alagoas, Correio da Manhã (Rio de Janeiro), O Globo (Rio de Janeiro), revistas de circulação nacional, como Maquis, O Cruzeiro, Manchete, e, principalmente arquivos da Assembléia Legislativa de Alagoas e do Senado Federal.
O autor procurou, na medida do possível, colocar todo esse material na ordem dos acontecimentos.
(Aqui um esboço de parte do livro de Manoel Ferreira Lira, em elaboração, com o título acima)
AS FOTOS DO FATO
Deputado Marques da Silva, da UDN de Alagoas,
assassinado em 7 de fevereiro de 1957, em Arapiraca.
Casamento religioso do deputado Marques da Silva com
Maria Feitosa Soares Vieira, em Pão de Açúcar.
Deputado Marques da Silva com esposa,
morto em Arapiraca.
Vereador José Pereira Lúcio olha local, ainda com sangue,
onde o correligionário foi morto.
Camisa que o deputado usava quando levou os tiros, toda suja de sangue.
Autópsia do deputado arapiraquense realizada
pelo médico Duda Calado.
Coração do deputado, autopsiado no Rio de Janeiro.
Bala retirada do coração do deputado assassinado.
Militares das Força Policial de Alagoas,
que investigaram o caso: capitão
Cícero Argolo, à direita.
Algumas das fotos que fazem parte do livro CARTAS DE UM MORTO, de nossa autoria, em elaboração. Trata do assassinato do deputado estadual de Alagoas, José Marques da Silva.
ANJOS ASSASSINADOS.pdf (3713254)
Memórias de Um Quase Comunista-.pdf (1481602)
O médico e o poeta
(Um artigo de Manoel Ferreira Lira)
“Fisiologicamente, é a unidade funcional da glândula lacrimal.
“Mas, na poesia outro é seu significado.
“Uma lágrima, prá o poeta, é o estigma do sentimental.
“Representa o sofrimento de um coração magoado”.
(do poema Uma Lágrima)
Dr. Geraldo Cavalcante Cajueiro
Um poema surgido de um médico? Quem o conheceu, desde os tempos de 1954, quando concluiu o curso pela Universidade Federal de Pernambuco, não o sabia poeta, muito menos médico religioso, pertencente a Ordem Terceira de São Francisco, da Fraternidade Santa Margarida de Cartona. Geraldo Cajueiro, como gostava de ser chamado, ou simplesmente Dr. Geraldo, atuou por muito tempo como médico clínico-geral em Arapiraca, onde se fixou com sua mulher, também médica, Dagmar Cavalcante, em 1955.
Como médico, foi contratado como perito da Previdência Social em 1960; médico-perito coordenador das perícia médica do agreste, em 1965; integrou a equipe nacional de inquérito epidemiologista de tracoma no estado do Espírito Santo, em 1970; integrou a equipe nacional de tracomologista para avaliação de epidemia em Campo Grande, Mato Grosso do Sul, em 1980; assumiu a chefia de coordenação da perícia acidentária e renda mensal-vitalícia – R.M.V., em 1981; coordenador da perícia médica rural – FUNRURAL, em 1982; médico sanitarista de último nível do Ministério da Saúde, em 1983.
De suas habilidades médicas e sanitárias todos o conheciam. E apreciavam. A veia poética e religiosa, porém, somente com a publicação do livro A Verdade, de 1994. É seu o poema DESCOBRI DEUS: Sou de origem cristã, fui educado no Marista; Na primeira infância, católico praticante. Na adolescência, pensei no sacerdócio – acredita? Mas, a realidade vocacional não era penetrante”.
E segue: “Médico vocacional, presente de Deus; êxito profissional impressionante; Na grandeza material, me aproximei do ateu. E minha conduta pessoal tornou-se deformante”.
E arremata: “Terminando, confesso, sou homem feliz. O reflexo é da crucificação; tudo estremeceu... O clarim da minha felicidade é que diz: No recolhimento, na oração, descobri Deus”.
E, como num arrependimento e súplica, grita: “Perdoa-nos, meu Senhor, Os débitos tenebrosos, De antepassados escabrosos, De iniquidade e de dor”.
Para muitos que conheceram o médico Geraldo Cajueiro, os seus poemas, uma surpresa, lavam a alma; para os religiosos, uma alegria, mesmo tardia, de reconhecer no sanitarista bonachão, bom copo, o descobrir de uma outra vida. Como disse o bispo Dom Fernando Iório, da Diocese de Palmeira dos índios, em 1987: Adorador do Senhor, não poderia o escritor-poeta deixar de cultuar a Pátria num final de século, de impressionante carência de patriotismo. Amam-se os próprios interesses, não se ama a Pátria”.
Para finalizar, sem ser o fim, em A Verdade falou Geraldo Cajueiro: Não devia existir paciente indigente; Pobreza não é patologia; É uma de nossas tristezas”.
ALAGOAS COMETEU 76 FEMINICÍDIOS EM TRÊS ANOS
Um artigo de Manoel Ferreira Lira
O assassinato da vereadora do PSOL-RJ, Marielle Franco, é mais um crime político a ser perpetrado no Brasil. Aqui mesmo em Alagoas, segundo a Secretaria de Segurança Pública de Alagoas, 76 mulheres foram assassinadas no estado nos últimos três anos num crime conhecido nos meios jurídicos como feminicídio, o crime de ódio pela condição de ser mulher.
Um desses crimes mais odiendo foi perpetrado contra Joana de Oliveira Mendes, ocorrido em cinco de outubro de 2016, quando o autor, Arnóbio Henrique Cavalcante Melo, desferiu 30 facadas num ato de fúria e selvageria. Para o desembargador Sebastião Costa, que negou liminarmente o habeas corpus impetrado pelo réu, "o paciente apresenta, em tese, personalidade voltada para a prática delituosa".
REPUGNANTE
Os assassinatos dessas dezenas de mulheres alagoanos, a exemplo de Joana, se junta ao da vereadora Marielle Franco, sejam quais forem as motivações. Ódio, vingança, político, queima de arquivo, ciume, nada justifica o feminicídio.
Para o desembargador alagoano, na negativa da soltura do réu, a prisão do assassino Arnóbio "não se vislumbra, nem de perto, a existência de flagrante ilegalidade na manutenção da prisão cautelar do paciente, que aparenta ser pessoa propensa delitiva, tendo ele supostamente cometido crime extremamente grave e repugnante, que por certo abala a ordem pública e, justamente por isso, reclama o acautelamento provisório de sua liberdade".
As matérias publicadas acerca do assassinato da vereadora do PSOL-RJ, Marielle Franco, ainda não demonstram a motivação do ato criminoso. Os assassinatos das mulheres alagoanas demonstram ser a motivação, como no caso de Joana de Oliveira Mendes, o crime de ódio.
O juiz Sóstenes Alex Costa de Andrade, da 7a. Vara Criminal da capital, negou, em 19 de dezembro de 2017, a conversão da prisão preventiva do réu em prisão domiciliar, acatando, inclusive, manifestação do Ministério Público, através do promotor de justiça Lucas S. J. Carneiro, que sustentou que "ao contrário do afirmado no pedido, o acusado não apenas se evadiu do local do crime como ainda buscou uma versão, a priori, completamente irreal sobre os acontecimentos no intuito de buscar sua impunidade".
Os 76 casos de feminicídio ocorridos em Alagoas nos últimos três anos, como o da vereadora carioca, devem ser, primeiramente, esclarecidos, e posteriormente levados à justiça. Alagoas em particular, o Brasil no geral não devem mais compactuar com a barbárie, seja qual motivação for ou modalidade de crime acometido.
Publicado no semanário EXTRA, edição 964, de 23/29 de março.UMA MORTE ANUNCIADA
Assassinato do deputado Marques da Silva completou 61 anos e impunidades para mandantes.
Reportagem de Manoel Ferreira Lira
Tudo ocorreu no dia 7 de fevereiro de 1957, às 21,30 horas, na praça Gabino Besouro, um dos lugares mais frequentados da cidade de Arapiraca. O deputado e médico José Marques da Silva vinha da residência de Nair Teresa Duarte (Nair Fernandes), onde tinha ido atender um seu chamado, que se dizia enferma.
A vítima atravessou a rua em direção à praça, quase em frente à igreja de São Sebastião, e dirigia-se a sua residência, vizinha à Sorveteria Pinguim. De repente, dois tiros ecoaram, na noite, e atingiram o médico e deputado estadual pelas costas, sem quaisquer oportunidades de defesa.
Prostrado ao chão, o deputado Marques da Silva teve consumada a tragédia que antevira há muito, quando denunciou seus possíveis algozes. Enquanto isto, sorrateiramente, um homem, vestindo calça de brim claro, camisa marrom e de chapéu de pano à cabeça, dirigiu-se à rua Estudante José de Oliveira Leite (casa do deputado Claudenor Albuquerque Lima), pulou um muro e homiziou-se no quintal.
Outros pistoleiros, vindo de todas as partes, achegaram-se à casa do deputado Claudenor. Todos foram vistos pela empregada doméstica do deputado, Palmira Alexandre da Silva, que reconheceu Luiz Cacheado como o primeiro pistoleiro a chegar, logo, logo, depois dos tiros. Ela diariamente dava as refeições aos irmãos Cacheado. E mais: Palmira ouviu um diálogo ocorrido entre Luiz Cacheado e José Pascoal:
-“Atirou?”
-“Atirei não, matei e ele está morto na praça”.
O assassinato do deputado Marques da Silva, como antevisto pelo médico, foi antecedido pela morte do vereador arapiraquense Benício Alves, correligionário e compadre, em outubro de 1956, por pistoleiros sergipanos e atribuída a uma vingança pessoal da família Barbosa, que teve um de seus membros assassinado pelo irmão do vereador.
José Marques da Silva, o deputado assassinado, era médico formado pela Universidade da Bahia. Nasceu em 12 de fevereiro de 1924, na localidade de Canudos (hoje cidade de Belém, em Alagoas). Filho do fazendeiro e agropecuarista Alcino Marques da Silva e da professora Josina Marques da Silva. Tinha mais dois irmãos: Otacília Marques da Silva e Valdemar Marques da Silva.
Após concluir o curso primário no distrito de Canudos, Marques da Silva foi estudar em Palmeira dos Índios, fazendo o exame de admissão e todo o antigo ginásio (hoje colegial) em Maceió, estudando no Colégio Diocesano. A Faculdade de Medicina cursou em Salvador, Bahia. Fez residência médica em São Paulo nos anos 51/52.
Por intermédio do amigo Rui Palmeira (senador), seu aliado e mentor político, veio para Arapiraca, em 14 de fevereiro de 1952. Nunca perdeu contatos com sua terra de origem. Um altruísta, era normal clinicar, sem contudo nada cobrar das pessoas pobres, amigas ou não, moradores e agricultores das terras de seus pais.
Casou-se com Maria Soares Veira, filha do ex-prefeito de Pão de Açúcar, Alagoas, Pedro Soares Vieira e de dona Maria Vieira, em 31 de maio de 1952. Do matrimônio, nasceram os filhos Mário Alcino (27/05/1953), Cléber (18/04/1955) e Eberth (26/07/1956).
Outra virtude de Marques da Silva era a dedicação e respeito a todas as pessoas, independente da sua condição social ou econômica. Sempre que solicitado, atendia aos clientes em suas residências por mais distante e humilde que fosse, e na maioria das vezes doava os medicamentos quando os pacientes não tinham condições.
Vida política
A vida política de Marques da Silva iniciou-se já em 1948, ainda quando cursava o terceiro ano de Medicina, convidado que foi para ser candidato a deputado estadual pelo senador Rui Palmeiras. Não obteve êxitos nessa primeira investida política. Voltou a sair candidato em 1954, e, aí, sim, foi vitorioso com 3.760 votos, mais da metade dos votos de Arapiraca, quando votaram 7.400 eleitores.
Em Arapiraca, o presidente local da UDN, vereador José Lúcio de Melo, indicou Marques da Silva candidato a deputado estadual, cujas eleições aconteceriam em 03 de outubro de 1954, tendo sido o deputado mais votado do Estado. Seu coeficiente eleitoral deu para eleger mais dois deputados.
Facilmente, o nome do deputado Marques da Silva foi aceito pela população, o que, certamente, causaria desagrado a outro deputado arapiraquense, Claudenor de Albuquerque Lima, eleito pelo Partido Social Democrático – PSD. Daí para uma rixa, onde se disputava voto a voto no estado, numa eleição democrática, foi motivo para todo tipo de intrigas.
O deputado Marques da Silva havia, em 1955, sido eleito 1o. vice-presidente da mesa diretora da Assembléia Legislativa, juntamente com os deputados Mário Guimarães (presidente), Antenor Claudino (1o. Secretário) e Gerado Sampaio (2o. Secretário). Sobre o deputado Mário Guimarães, disse:
- “Aqui estou para saudar também o nosso grande companheiro, Mário Guimarães, pela sua eleição para presidente desta casa. É o meu nobre colega, deputado Mário Guimarães, um cidadão que pela grandeza do seu coração, pelas suas qualidades morais, pela elevação de seu espírito, pela grandeza de seu caráter e pela firmeza das suas atitudes, bem como sua fidelidade ao partido, merecedor da nossa admiração, do nosso respeito, da nossa simpatia e da nossa estima.”
Morte anunciada
A disputa é acirrada até mesmo entre os partidários da UDN e do PSD. De um lado, os que têm Marques da Silva como médico, deputado e amigo. Do outro, os seguidores das famílias Albuquerque, Lima, Pereira e Barbosa. Há os que não dão muito tempo pela vida do médico, acreditando piamente que sua morte é iminente – não há como esperar tanto tempo, pois de uma hora pra outra sua vida será exterminada.
Para aqueles que confiam na vitória de Marques da Silva, uma pitada de religiosidade não faz mal algum. E seguem, principalmente as mulheres, de casa para a Igreja de Nossa Senhora do Bom Conselho, a rezar e pedir a salvação para o homem e para a alma do médico-deputado.
São os idos de 1956. A morte é anunciada. Arapiraca está de um fervor a toda prova. Pessoas andam de um lado pra outro, do trabalho para casa, com o olhar fito no horizonte, ariscos, como a espreitar qualquer movimento. O medo é geral entre a população, pois todos já tinham visto acontecer o trucidamento do vereador Benício Alves de Oliveira em outubro de 1956 no Sítio Alexandre, entre Arapiraca e o distrito de Lagoa da Canoa. O vereador era compadre e correligionário do deputado Marques da Silva.
Foi um aviso.
Disse o deputado Marques da Silva, em carta encaminhada ao diretório nacional da UDN, datada de 04 de dezembro de 1956, que “os mandantes do assassinato do vereador Benício Alves de Oliveira continuam impunes, gozando plena liberdade e ainda se dão ao luxo de se acompanharem por capangas, ostensivamente em todo o Estado.
“Esses criminosos são os seguintes indivíduos: deputado Claudenor Lima, Valdomiro Barbosa, seus irmãos Florival Barbosa e Djaci Barbosa, e o primeiro suplente de vereador da UDN, elemento que me pareceu sempre suspeito e cuja inclusão, como candidato de nossa legenda, se consumou com meu declarado protesto e advertência de que essa escolha era uma ignomínia para nossa agremiação partidária. Com constrangimento, faço referência a essa particularidade porque tive de me curvar, no caso, à imposição dos demais companheiros do diretório municipal e o meu rompimento, naquela oportunidade poderia sofrer um desvirtuamento de interpretação. Infelizmente, meus prognósticos se confirmaram com o desenrolar dos fatos. Estou, portanto, de consciência tranquila quando fiz restrições à inclusão daquele nome na nossa legenda.” Ele se referia a Lourenço de Almeida, amigo leal e seleto do deputado Claudenor de Albuquerque Lima e cunhado de Valdomiro Barbosa.
Como o deputado Marques da Silva tinha tanta certeza de que essas pessoas eram os mandantes do assassinato do vereador Benício Alves de Oliveira? Como fazer uma acusação tão grave?
Marques da Silva tinha recebido a informação de D. Anita Tomé, em cuja casa vizinha reuniram-se os irmãos Barbosa e Lourenço Almeida no consultório do médico Djaci, “tramando, altas horas da noite, meu extermínio e do vereador Benício Alves de Oliveira”, segundo ele em sua carta à direção da UDN. A informante disse que eles haviam combinado com o deputado Claudenor Lima o extermínio de Marques da Silva e do vereador Benício Alves e citou até o executante, que deveria ser o sogro de Ângelo Fernandes, um comerciante de Arapiraca.
Errou quanto ao executante. Não foi o pai de Nair Tereza Duarte, a Nair Fernandes. Acertou quanto aos mandantes. Aliás, foram muito mais do que chegou a denunciar. Ao todo, o ministério público denunciou como autores, intelectuais e material, dezenas de pessoas.
Arapiraca fervia. Infestada de bandidos, de lado a lado, mais parecia uma Serra Talhada, interior de Pernambuco e conhecida como terra de cangaceiros e pistoleiros.
Pistoleiros
Àquela época, isto é, nos idos dos anos 50, pistoleiros assalariados, muitos deles reconhecidos como familiares, praticamente moravam nas casas dos poderosos. E em Arapiraca não era diferente. Quando do assassinato do deputado Marques da Silva foram reconhecidos como tais:
Luiz Vieira Malta (conhecido como Luiz Neneu) – era guarda-civil do estado. Foi um dos primeiros a saber da vinda dos irmãos Cacheados, oriundos de Bom Conselho, Pernambuco, para assassinar o deputado udenista. Quem confidenciou o fato foi Sebastião Cacheado, em frente ao prédio da Assembleia Legislativa Estadual. E nada fez.
José Pascoal - vivia na casa do deputado Claudenor de Albuquerque Lima. Sabia da trama para assassinar o médico e deputado arapiraquense. Na noite do assassinato, foi visto no quintal da casa do mandante, esperando os irmãos Cacheados. Quando os pistoleiros chegaram, perguntou: “atirou?” “Atirei não; matei e ele está morto na praça”.
José Feliciano (também chamado de José do Óleo) – era um assalariado da família Pereira Lima. Não tinha profissão definida. Vivia na casa do deputado Claudenor de Albuquerque Lima, andava armado pela ruas da cidade. Era, também, malandro de jogo. No dia do crime, deu cobertura aos irmãos Cacheados e se encontrava na praça Gabino Besouro (hoje praça Marques da Silva), juntamente com Cláudio de Albuquerque Lima, Jesus Rodrigues, Moacir Pedro da Silva.
Antonio Argemiro Pereira (também conhecido como Primo Jogador) – era malandro de jogo e pistoleiro. Vivia na casa do deputado Claudenor de Albuquerque Lima. Quando do assassinato do médico Marques da Silva, andou na praça Gabino Besouro com arma em punho. Depois, saiu arrotando vantagem, inclusive afirmando que os assassinos foram os irmãos Cacheados.
Jesus Rodrigues de Lima – dizia ser primo dos Pereira Lima. Era pistoleiro, sem ocupação. Praticamente morava na casa do deputado Claudenor Lima. Muitos anos depois, foi dono de cabaré na cidade.
Paulo de Tal (Paulo de Lagoa da Canoa) – era também pistoleiro. Vivia armado, acompanhando o deputado Claudenor de Albuquerque Lima, inclusive participou, na noite do crime, de reunião com Lourenço Almeida e José Pascoal.
Edson Galvão – era capanga e pistoleiro assalariado do deputado Claudenor de Albuquerque Lima. Perseguiu, durante algum tempo, a testemunha Anita Ferreira.
Moacir Pedro da Silva – filho de família importante de Arapiraca, tinha uma amizade muito grande com o deputado Claudenor de Albuquerque Lima. Não era pistoleiro, mas foi visto por diversas testemunhas na praça Gabino Besouro, quando do assassinato de Marques da Silva, inclusive portando arma. Após o crime, homiziou-se na residência de Claudenor Lima.
Lauro Ferro (também conhecido como Lau Ferro) foi a pessoa encarregada de arregimentar pistoleiros para matarem o deputado Marques da Silva. Era do município de Bom Conselho, Pernambuco. Intermediou os irmãos Cacheados, Sebastião e Luiz).
Sebastião e Luiz Cacheado – pistoleiros assassinos do deputado Marques da Silva, eram originários do município de Bom Conselho, Pernambuco. Foi Luiz Cacheado quem atirou duas vezes pelas costas, causando morte quase que instantânea. Na ocasião, Luiz trajava calça de brim claro, camisa marrom e chapéu de pano. Assim foi visto por várias testemunhas.
Outros pistoleiros viviam e conviviam abertamente em Arapiraca. Muitos deles eram alcunhados de “seguranças”, uma espécie de guarda-costas. Nesse clima, corriam os dias no município, com provocações de lado a lado. De um lado, a UDN, que tinha como líder principal o deputado José Marques da Silva, juntamente com os irmãos João Lúcio da Silva, José Lúcio de Melo, Manoel Lúcio da Silva, José Pereira Lúcio (que, apesar do sobrenome, não era parente dos três primeiros e foi, depois, deputado federal), Antônio Ventura de Oliveira, Benício Alves de Oliveira, Domingos Vital da Silva; do outro, sob o comando de Luiz Pereira Lima, estavam os filhos Claudenor de Albuquerque Lima (deputado), Cláudio de Albuquerque Lima, Claudisbel de Albuquerque Lima (este era menor de idade quando do assassinato do deputado Marques da Silva), os irmãos Barbosa (Valdomiro, Florival e Djaci – este médico), Lourenço de Almeida (suplente de vereador na coligação UDN-PTN). Interessa, aqui, lembrar que os irmãos Barbosa eram, antes, correligionários do deputado Marques da Silva, inclusive Valdomiro Barbosa havia sido candidato a prefeito de Arapiraca, apoiado pelos Lúcio, tendo sido derrotado por Luiz Pereira Lima. Ao redor desses políticos, correligionários, capangas, além de inúmeros pistoleiros.
Os denunciados
Quando o ministério público, através do promotor Luiz dos Santos Leal, em 08 de julho de 1957, produziu suas alegações finais, os mandantes e executor da morte do deputado José Marques da Silva, ali se encontravam, desde a mãe do deputado Claudenor Albuquerque Lima ( Afra de Albuquerque Lima) aos irmãos Barbosa (Valdomiro, Florisval e Djaci) ao irmão Cláudio de Albuquerque Lima e Luiz Cacheado. Eis a conclusão das mencionadas alegações finais:
“Assim, diante dos fatos expostos, espera o órgão do Ministério Público, abaixo assinado, seja o acusado Luiz Cacheado pronunciado nas penas do art. 121, parágrafo 2o. Inciso I e IV, do Código Penal, e Sebastião Cacheado, Nair Teresa Duarte (Nair Fernandes), Luiz Vieira Malta (Luiz Neneu), Afra de Albuquerque Lima, Cláudio de Albuquerque Lima, Valdomiro Barbosa, Florival Correia Barbosa, Djacy Correia Barbosa, Lourenço de Almeida, Lauro Ferro (Lau Ferro), Benedito de Albuquerque Vasconcelos, José Marcolino da Silva, Valdemar Evangelista da Silva, José Pascoal, José Feliciano (José do Óleo), Plínio de Tal (Primo Jogador), Jesus Rodrigues de Lima, Moacir Pedro da Silva, Paulo de Tal (Paulo de Lagoa da Canoa), e Edson Galvão pronunciados como incursos nas sanções do artigo 121, parágrafo 2o., incisos I e IV, combinado com o artigo 25, todos do Código Penal vigente.
“Esta Promotoria sempre tem dado demonstrações exuberantes, em todos os momentos, de que é, acima de tudo, um órgão de Justiça. Não batemos palma, nunca, aos que pensam que a missão do promotor é acusar, é acusar sistematicamente. O promotor é um fiscal da lei, e esta tanto pune o culpado como ampara, protege, defende, o inocente. É esta, pois, a visão que temos do que venha a ser o Ministério Público. Defender a sociedade, mas nunca sacrificar a liberdade de um inocente.
“Assim, estes autos nos falam que Antônio de Tal, Severino de Tal, Expedito Henrique Pereira (Expedito Cabeção), Manuel Deodato), João Eloi de Queiroz, André Marchante, Tibúrcio José de Melo e Euclides Nunes de Queiroz são pessoas ligadas ao deputado Claudenor, à família Pereira e à família Barbosa, e às vezes seus capangas, sendo ainda alguns deles conhecidos desordeiros e já processados nesta Comarca.
“Todavia, o que é verdade é que não há, nestes autos, provas que os mesmos tenham concorrido para o crime de homicídio de que foi vítima o deputado José Marques da Silva.
“Desta forma, por uma questão de Justiça, espera esta Promotoria a impronúncia dos mesmos.
EXTINÇÃO DE PUNIBILIDADE
“Sendo um fato notório o falecimento do denunciado Luiz Pereira Lima, cujo sepultamento realizou-se nesta cidade, à tarde, no dia 19 de junho do corrente ano, requeremos, na forma do artigo 168, inciso I, do Código Penal, a extinção de sua punibilidade.
EXCLUSÃO DE DENÚNCIA
“Deixamos de fazer referência a C. A. L. por ser o mesmo menor de 16 anos, e haver, por este motivo, sido excluído deste processo, através de habeas-corpus que lhe foi concedido pelo Egrégio Tribunal de Justiça do Estado (fls. 131, vol. II).
“São estas as alegações finais do Ministério Público.
“Arapiraca, 8 de julho de 1957.
“Luiz dos Santos Leal – Promotor Público, designado”.
Absolvido
Somente em 1970, 13 anos após, o ex-deputado Claudenor Albuquerque foi a júri popular em Arapiraca. Durante o dia 17 e madrugada do dia 18 de julho, os jurados, por cinco a dois, o absolveram. Foi presidente do tribunal do júri o juiz Antônio Lenine Pereira, com José Martins Filho representando o Ministério Público. Funcionou como escrivão Pedro Cavalcante.
A Gazeta de Alagoas, em sua edição de 17/7/70, e com manchete Ex-deputado será julgado hoje em Arapiraca, assim noticiou: “O ex-deputado Claudenor Lima e o pistoleiro Lauro Ferro acusados de assassinato do ex-parlamentar udenista José Marques da Silva estarão sendo julgados na tarde de hoje, em sessão do júri presidida pelo juiz Antonio Lenine Pereira, funcionando na Promotoria José Martins Filho. Os réus terão como advogados de defesa os bacharéis Sandoval Caju e Sebastião Barbosa. O crime verificou-se na noite do dia 7 de fevereiro de 1957, quando a vítima saíra de sua residência para atender a uma sua cliente, que estava passando mal.
“PELA SEGUNDA VEZ
“Treze anos já foram decorridos da morte do médico Marques da Silva, um dos crimes que mais abalaram o estado de Alagoas.
“Após a morte de Marques da Silva, foi apontado como autor intelectual do assassinato o então deputado Claudenor Pereira (sic) Lima, que fugiu na época,...No primeiro júri, Claudenor foi absolvido por unanimidade, entretanto o promotor Joubert Scalla impetrou um recurso no Tribunal de Justiça, que determinou que o mesmo voltasse a novo julgamento.”
Em 19 de julho, a mesma Gazeta de Alagoas publicou a notícia do resultado do júri, que absolveu o ex-deputado Claudenor Albuquerque Lima, por cinco a dois:
“Arapiraca (do enviado especial Jorge Oliveira) – Precisamente às 2 horas da manhã de hoje (sábado) cerca de mil pessoas quebraram o silêncio da sessão do Tribunal do Júri com salvas de palmas logo após o veredicto do juiz Antônio Lenine Pereira absolvendo por cinco votos contra dois o ex-deputado Claudenor Albuquerque.
“Foram assim confirmadas as previsões do público que lotou as dependências do edifício da Câmara de Vereadores desta cidade, onde funcionou a sessão do Júri em que Claudenor Albuquerque foi julgado, juntamente com Lauro Avilla Omena – Lau Ferro –pelo assassinato em fevereiro de 1957 do também ex-deputado e médico Marques da Silva.
____________________
Que amigos!
Um dia após a morte do deputado Marques da Silva, o governador Muniz Falcão dizia ao comandante da Polícia Militar, coronel Murilo Luz:
-“Veja, coronel, que espécie de amigos eu tenho. Traem-me a confiança e expõem o nome do governo num crime monstruoso”.
Ao lado, de imediato, e através de seu secretário de Governo, Dr. Mah Lobão Barreto, o governador Muniz Falcão fez ver ao Tribunal de Justiça do Estado seu empenho em apurar o assassinato do parlamentar arapiraquense. Solicitou, por outro lado, sugestões para apuração do crime.
O Tribunal de Justiça de Alagoas, inclusive, em 12 de fevereiro de 1957, enviou ofício ao governador no seguinte teor:
“Levo ao conhecimento de Vossa Excelência que este Tribunal de Justiça em sessão ordinária de hoje, tomando conhecimento da representação formulada pelo Senhor Procurador-Geral do Estado, solicitando a designação de Comissão Judiciária para apurar o crime de homicídio de que foi vítima o deputado José Marques da Silva e processar os respectivos responsáveis, deliberou, unanimemente, o seguinte:
“1o. – Aguardar que as medidas policiais restabeleçam a ordem e a tranquilidade no município de Arapiraca, assegurando a confiança pública e tornando possível ao Juiz de Direito local regressar à sua Comarca e reassumir o exercício normal de suas atribuições.
“2o. – Levando em consideração o oferecimento feito pelo Senhor Secretário de Governo, em nome de Vossa Excelência, de efetivar todas as medidas necessárias à tranquilidade do referido município, indica o nome do capitão Cícero Argolo dos Santos, para delegado de polícia, em face da correta atuação do mesmo militar nesse município, permitindo-se a esse militar escolher os componentes do destacamento sob suas ordens, continuando o mesmo com o inquérito policial por ventura instaurado.
“3o. – Sugere, ainda, o Tribunal de Justiça, a exoneração de todas as autoridades policiais do município em referência e a sua substituição por pessoa de confiança do aludido militar.
“4o. – Desde que o Tribunal seja informado pelo juiz de Direito do restabelecimento da ordem e da tranquilidade na aludida comarca, apreciará o pedido de Comissão Judiciária, para prosseguimento do inquérito e do consequente processo.
“Valho-me do ensejo para renovar a Vossa Excelência os protestos do mais alto apreço.
“a) Domingos Paes Barreto Cardoso, Presidente.”
Imediatamente, o governador Muniz Falcão, ao receber o ofício como um ultimato do Tribunal de Justiça, retornou ao presidente do Judiciário, em 13 de fevereiro de 1957, no seguinte teor:
“1 – Tomando conhecimento do Ofício no. 16/57, de 12 do corrente, dessa Presidência, em que são enunciadas diversas condições para que o Tribunal de Justiça avoque, através de Comissão Judiciária de sua escolha, a apuração do homicídio de que foi vítima o deputado José Marques da Silva, devo transmitir a Vossa Excelência que deliberei adotar as providências indicadas, inclusive a designação do capitão Cícero Argolo dos Santos, para delegado de polícia de Arapiraca.
“2 – Com essa deliberação, visa o governo dar inequívoca e patente demonstração de que não pretende opor entraves à devida apuração do fato delituoso. Estou certo de que a opinião pública, não comprometida pela paixão e exacerbação de ânimos, aquilatará da serenidade e imparcialidade do governo. Entendo que o esclarecimento e a repressão do delito se devem efetivar a qualquer preço, ainda que importem em sacrifício ou restrições de certas prerrogativas governamentais.
“3 – Desde que o Egrégio Tribunal de Justiça houve por bem manifestar-se no sentido de que somente o capitão de polícia Cícero Argolo dos Santos poderia estabelecer um clima de ordem e tranquilidade em Arapiraca, em que pesem recentes e ostensivas manifestações do referido oficial, tornando-o, talvez, até passível de punição disciplinar, não hesitou o governo nomeá-lo, por ato de ontem, para as funções de delegado de Arapiraca.
“4 – Tendo a investidura em apreço, a endossá-la, a indicação da Egrégia Corte de Justiça do Estado, confia que somente poderá concorrer para a implantação de um ambiente de ordem, respeito e segurança, incompatível com violências, perseguições ou atentados de qualquer ordem, razões que me levaram a subscrever o ato respectivo.
“5 – Estou certo de que o Egrégio Tribunal de Justiça, indicando o capitão Cícero Argolo dos Santos para presidir, temporariamente e em seu início, o inquérito em torno do homicídio, ao invés de confiar a apuração à Comissão Judiciária solicitada pelo governo, há de ter-se inspirado em superiores razões de justiça e interesse público, objetivando, dessa forma, serena e precisa elucidação dos fatos.
“Sirvo-me do ensejo para reiterar a Vossa Excelência a expressão do meu cordial apreço e particular estima.
“a) Sebastião Marinho Muniz Falcão – governador.”
(Do livro EPISÓDIOS, Centro Gráfico do Senado Federal, 1979, Djalma Falcão, páginas 79, 80)
(Matéria publicada no semanário EXTRA, edição 959, de 9 a 15 de fevereiro de 2018)
__________________________________________________________________________
A morte do pistoleiro
* Manoel Ferreira Lira
Essa foi contada por dois primos, quando voltamos de uma viagem a Salvador. Dirigindo, eu ouvia. Não falava, só escutava. Verdade! Mentira! Quem são, verdadeiramente, os personagens. Leiam:
O velho estava ajoelhado, com as mãos amarradas por trás das costas. A boca aberta, tinha um cano de pistola batendo em seus dentes. Cabeça um pouco levantada, via seu algoz: era o deputado, homem forte do Estado, que, mesmo tendo pouca idade, já impunha sua força e seu poder. Ouvia vozes, muitas outras vozes, porém não conseguia identificar seus donos. A não ser a voz de um outro deputado, conhecido na região.
Chamado de velho, tinha olhos verdes; era de pequena estatura e era magro. Conhecido por muitos, principalmente pelos que viviam no mundo da pistolagem, estava ali, de joelhos, amarrado como um animal, esperando o golpe final a ser aplicado pelo político. Sabia, ou melhor, tinha certeza que seu dia havia chegado, a morte rondava seu corpo.
O político, aliás, o deputado, aliás, o manda chuva, aliás, o todo poderoso, arfava, o suor escorria por seu rosto vermelho. Ele tremia, mas não era de medo. Tremia de ódio.
- Você é um covarde. Você não podia deixar Augusto morrer. Você era sua segurança. Você devia ter agido. Por isso não merece continuar vivo. Você vai morrer!
O todo poderoso, com o dedo no gatilho, exigia que o velho pedisse perdão, implorasse pela vida.
Naquele local ermo, estrada de terra batida, esburacada e empoeirada, o velho, quando conseguiu um pequeno espaço de tempo para falar, disse:
-Deputado, nunca fui covarde nem medroso. O senhor me conhece, sabe de minha vida. Se não pude defender Augusto, foi porque fizeram dele escudo. Se eu atirasse em seus matadores, minhas balas atingiriam em cheio o Augusto. Mas, não sou covarde, não! Deputados – ele pôde olhar para os lados e viu o outro político -, eu sei que vou morrer, sei que vou ser assassinado. Mas não morro como covarde. Estou de joelhos e amarrado. Não posso fazer nada. Deputado, me dê uma arma com uma só bala; solte uma só mão minha - aí o senhor verá quem é homem.
O velho levou uma coronhada. Quase caiu.
O político colocou novamente o cano da pistola na boca do velho. E puxou o gatilho.
Um estrondo ecoou no silêncio da tarde. O velho caiu prá trás e os seus tutanos se espalharam na tarde ardente daquele município alagoano. Inerte, o corpo foi deixado ali mesmo. Os presentes, mais de cinco, assistiram o deputado colocar a arma no coldre, entrar em sua camionete importada e seguir viagem para sua casa, alegre pelo dever cumprido.
O velho de olhos verdes não mais seria pistoleiro de ninguém.
* É autor do livro MEMÓRIAS DE UM QUASE COMUNISTA, do qual este artigo faz parte*
O GENRO LADRÃO
*Manoel Ferreira Lira
A minha missão é por demais importante: ser escrivão nas Índias Ocidentais, nesta esquadra com 13 navios (três caravelas - navios menores e ágeis, com até 50 toneladas, e dez naus, com até 250 toneladas, com capacidade para 200 pessoas), incluindo a do capitão, Pedro Álvares Cabral, o escolhido por El Rei Dom Manuel, o Venturoso. Devo anotar tudo o que se passar aqui, nestas águas do Atlântico, e lá, durante todo o tempo que formos passar nas terras das Índias. em Calicute, onde será erguida uma feitoria. Estamos nos anos de 1500 da era cristã.
Sou filho de Vasco Fernandes de Caminha, cavaleiro do duque de Bragança. Meus ancestrais datam da época da povoação de Neiva, à época do reinado de D. Fernasndo (1367/1383). Sou, também, cavaleiro das casas de D. Afonso V (1438/1481), de D. João II (1481/1495) e de D. Manuel (1495). Sou, também, mestre da balança da Casa da Moeda, que herdei de meu pai, em 1476. Este cargo é equivalente ao de escrivão e tesoureiro, posições que ocupo com muita responsabilidade.
Sou afeiçoado ao Rei D. Manuel, que me conheceu quando fui vereador de Porto, em 1497. Alí, redigí os capítulos da Câmara Municipal do Porto que seriam encaminhados à Corte.
Sou casado com Catarina Vaz e tive uma única filha: Isabel de Caminha. Ah, filha!
Cresceu com todo o carinho, amor e devoção de nós, eu e Catarina. Isto é, dentro do que apregoa a Santa Madre Igreja, com todo o fervor cristão. Mas, …
Jovem, minha filha aceitou, mesmo com toda ponderação que apresentamos, casar-se com um tal Jorge de Osório que, logo, logo, mostrou-se despreocupado em aceitar emprego, tanto na família como na Corte. Preferiu, para minha tristeza, enveredar-se na rota que achava mais fácil: as coisas do alheio.
E não durou a trazer tristeza e vergonha à minha filha, passamdo ao crime, roubando até o sagrado (bens da Santa Madre Igreja). Na última vez em que o pegaram, tinha assaltado uma igreja, batido num homem santo (um padre) e tentado desfazer-se dos bens de Deus.
As Ordenações Afonsinas (de 14460, que haviam separado o direito canônico do direito temporal, foram usadas contra este meu malfadado genro, levando-o à condenação – foi degredado para a Ilha de Santo Tomé, na mesma África que agora me foi dado o prazer de ser o escrivão da frota do capitão Pedro Álvares Cabral. Sabe-se muito bem que os delitos mais graves, como sedução de moça virgem ou viúva honesta, adulteração de moeda, roubo, lesões corporais, má-fé em transações comerciais podem levar o acusado a uma estadia forçada no ultramar. E meu genro, o Jorge de Osório, foi enquadrado nestas Ordenações.
E mais: dependendo da gravidade do crime, o degredo era perpétuo ou por tempo determinado. Uma vez transitada em julgado, a sentença não podia ser comutada, a não ser ‘por uma graça especial’ de El Rei. Ou seja, o monarca tinha poderes, previstos em lei, para conceder indulto aos apenados.
Jorge de Osório, infelizmente, era marido de minha filha, Isabel.
Mas, voltemos à minha viagem. São, como já disse acima, 13 navios (com 1.500 homens), sendo três caravelas e dez naus. Caravela é uma nau leve, que mudava de direção com agilidade, tem uma navegação rápida contra o vento e pode chegar mais perto da costa do que navios maiores.
A ordem, isto é, a hierarquia na esquadra capitaneada por nosso Pedro Álvares Cabral era simples, porém seguida firme e fielmente:
Capitão – autoridade maxima da embarcação (não necessariamente precisa entender da embarcação. Era necessário, isto sim, ser pessoa próxima à corte e a El Rei;
Piloto - responsável de fato pela navegação. Sabe ler a bússola, as estrelas, os mapas náuticos e o astrolábio;
Mestre - dá ordens para marinheiros e grumetes e comanda o funcionamento geral da embarcação;
Soldado - cuida de armas e munição;
Marinheiro - operário do mar. Faz tudo no navio, de limpar a subir velas;
Grumete - cumpre funções que os marinheiros não fazem, como lavar o convés, limpar dejetos e costurar as velas.
Além de desse pessoal qualificado, na esquadra de Pedro Álvares Cabral tem barbeiros, para aparar o cabelo e a barba dos marujos, além de auxiliar os padres no atendimento aos enfermos.
São comandantes:
1. Pedro Álvares Cabral (comandante da frota)
2. Vasco de Ataíde (comandante)
3. Nicolau Coelho (comandante)
4. Sancho de Tovar (comandante da nau El-Rei)
5. Simão de Miranda (comandante)
6. Aires Correia (comandante, feitor geral)
7. Bartolomeu Dias (comandante)
8. Diogo Dias (comandante)
9. Aires Gomes (comandante)
10.Gaspar de Lemos (comandante)
11.Nuno Leitão da Cunha (comandante da caravela Anunciada)
12.Pero de Ataíde (comandante da caravela São Pedro)
13.Luís Pires (comandante)
14.Simão de Pina (comandante)
O que se passa nesta viagem às Índias, o percurso, os membros (oficiais, marinheiros, religiosos) e tudo que pode ocorrer entre o início e o fim, eu conto em carta especial ao El Rei, e que será levada pelo Comandante Gaspar de Lemos Aqui, reproduzo somente o fim daquela missiva, mais um apelo que uma notícia a Sua Magestade. É que tenho opensamento em minha família, minha mulher Catarina, e minha filha Isabel, que, apesar de todos os pesares, ainda gosta daquele marido que desonrou a todos.
“E pois que, senhor, é certo que, assim neste cargo que levo, como em outra qualquer coisa que de vosso serviço for, Vossa Alteza há de ser de mim muito bem servida, a ela peço que, por me fazer graça especial, mande vir da ilha de São Tomé a Jorge de Osório, meu genro – o que dela receberei em muita mercê”.
É, meu Rei, a graça que Vos peço.
*Uma ficção, extraída de fatos históricos.
** A história complete a ficção: Pero Vaz de Caminha morreu
em combate em Calicute, Índias, em 15 de dezembro de 1500.
Seu genro foi solto, por ordem expressa do Rei Dom Manuel
A FORÇA DA VERSÃO: o ex-ministro da Educação, Jarbas Passarinho, no jornal O Estado de São Paulo, em 19 de junho de 2001, assim se pronunciou sobre o tema: "O que o escrivão da frota pede é, sim, um favor ao rei. Seu genro Jorge de Osório, criminoso, estava preso na ilha de São Tomé, no litoral atlântico da África, desterrado. Caminha pede ao monarca "que lhe faça singular mercê" de mandar vir da ilha para Lisboa o genro arruaceiro. Não se tratava de emprego, mas de uma mercê real. Por se tratar de personagem menor, não se sabe se dom Manuel atendeu ou não o pedido do sogro atormentado".
Seja Escritor
Duda, o comunista da AP
*Manoel Ferreira Lira
Alto, acredito que mais de 1,80 m, era a antítese minha, que só tenho 1,69 m de altura. De tez branca, língua um pouco presa, sempre alegre, conhecí Duda quando frequentava o restaurante universitário em Salvador. Eu, estudante de jornalismo; ele, frequentava o curso de geologia, ambos da Universidade Federal da Bahia - UFBa.
Durante algum tempo, éramos somente universitários. Nada sabíamos um do outro, a não ser que Duda era pernambucano do Recife.
Em uma das reuniões da AP (Ação Popular), e não foram poucas, encontrei o pernambucano Duda. Era iniciante. Não demorou muito tempo, porém, para que ele começasse a se destacar entre os companheiros e assumir liderança de grupo, sendo destacado para combater os revisionistas do partidão (Partido Comunista Brasileiro).
Duda se incumbiu bem da tarefa, tendo sido candidato ao Diretório Central dos Estudantes, que congregava todos os universitários baianos, incluindo aí a UFBa, a Católica de Salvador e os cursos superiores de Ilheus.
Em 1970, desliguei-me da AP, voltando a minha terra, Arapiraca. Dura continuou na Bahia. Perdí o contato com ele e com outros companheiros da AP. Somente a pouco tempo soube da notícia da morte do Eduardo Collier Filho, seu nome.
E soube assim:
"Eduardo Collier Filho (1948-1974)
"Número do processo: 081/96
"Filiação: Risoleta Meira Collier e Eduardo Collier
"Data e local de nascimento: 05/12/1948
"Organização política ou atividade: APML
"Data e local do desaparecimento: 22/02/1974, Rio de Janeiro (RJ)
" Data da publicação no DOU: Lei no. 9.140/95 - 05/12/95"
Duda, como muitos outros, não aceitaram a incorporação da AP ao Partido Comunita do Brasil (PCdoB), juntaram-se, e fundaram a APML (Ação Popular Maxista Leninista), que propunha como estratégia a guerra popular, através de técnica de união política dos assalariados. Eduardo tinha alguns codinomes: Duda, Ulisses, Anjo Barroco.
Aqui, merece ser citado o pouco de Eduardo Collier Filho quando de sua vida pela Bahia. e, depois, por outros estados. Após o curso de geologia (aliás, não sei se terminou), ingressou na Faculdade de Direito. A matéria está na página 372 do livro "Direito à Memória e à Verdade", 1a. edição, 2010, (Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos), editado pela Secretaria Especial dos Direitos Humanos da Presidência da República.
"Eduardo Collier Filho cursou Direito na Universidade Federal da Bahia, em Salvador. Havia sido indiciado em inquérito policial pelo DOPS SP, em 12/10/1968, por ter participado do 30o. Congresso da UNE, em IBIUNA (SP). Em 1968, foi expulso da universidade pelo decreto 477. Militante da AP, tanto quanto Fernando Santa Cruz, aliaram-se ambos, a partir de 1972, na ala dessa organização clandestina que não concordou com a incorporação ao PCdoB e se mante estruturada como APML, da mesma forma que Paulo Wright, Ernestino Guimarães, Umberto Câmara e outros.
Após o desaparecimento de Duda e de Fernando Santa Cruz, que com ele estava no Rio de Janeiro, a luta de suas famílias para saber notícias, houve a denúncia a várias frentes, desde a Comissão dos Direitos Humanos, da OEA (Organização dos Estados Americanos, com sede em Washington, à Câmara dos Deputados, "onde os deputados Fernando Lira e Jarbas Vasconcelos denunciaram o episódio na tribuna e ainda a dezenas de personalidades históricas do Brasil, entre apoiadores e opositores do regime militar, como Tristão de Ataíde, Dom Hélder Câmara, os generais Reynaldo Melo de Almeida e Sylvio Frota e os marechais Cordeiro de Farias e Juarez Távora.
"Em 07/08/1974, Risoleta e Elzira - mães de Eduardo e Fernando - participaram, junto com outros familiares de desaparecidos, de uma audiência com o general Golbery, articulada por Dom Paulo Evaristo Arns. Era a primeira vez que o governo militar recebia os familiares de desaparecidos. Nenhuma resposta foi dada. Apenas seis meses depois, em fevereiro de 1975, o ministro da Justiça Armando Falcão fez um pronunciamento respondendo aos familiares com a cínica informação de que os desaparecidos estavam todos foragidos" (do mesmo livro)
Ninguém nuca mais viu o Duda. Faltavam poucos meses para terminar o governo Garrastazu Medici. A partir, então, de 1095, o nome de Eduardo Collier Filho, o Duda, aparece na lista de desaparecidos no anexo à Lei no. 9.140/95.
István Yancsò
*Manoel Ferreira Lira
Tinha seus momentos bons aqueles tempos de vida estudantil e militante da Ação Popular, a AP. Um deles, sem dúvida, foi visitar o Abade do Mosteiro de São Bento, Dom Timóteo Amoroso Anastácio. Figura sublime, de um olhar angelical. Magro, sério, de voz suave, era a própria personalização da igreja católica.
Para visitá-lo, fui convidado pelo professor do curso de sociologia da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade Federal da Bahia, István Yancsò, também membro da AP. Aliás, diziam ser um dos dirigentes maiores na Bahia.
Uma das dúvidas que tinha era de como um cristão católico podia ser comunista. Pelo que tinha lido, meditado, passado noites pensando, era impossível ser comunista e cristão ao mesmo tempo. E isto me deixava constrangido.
Dom Timóteo Amoroso Anastácio, que não era comunista, lógico, colocou-me dentro da visão da AP, originariamente católica, vinda da JUC e da JEC, Juventude Universitária Católica e Juventude Estudantil Católica, respectivamente. Foi um longo bate-papo. Bem, não foi propriamente um bate-papo, mas um monólogo, pois ouvia atentamente aquele religioso considerado uma das cabeças pensantes da Bahia. Homem querido e amado por muitos.
Após o encontro com o abade, fui até a residência do professor István, convidado para um jantar. Era um apartamento confortável na região da Barra. Sua esposa, aluna de sociologia, de nome Ida, era minha conhecida da faculdade. No jantar, a surpresa! Foi-me oferecido torradas com um tipo de patê.
-Olha, isto é caviar. Você já conhece? perguntou-me István.
Era claro que não. Saído do interior de Alagoas, de família pobre, fazendo minhas refeições na pensão de Dona Marieta, situada na rua Carlos Gomes, já tinha ouvido falar muito de caviar. Tanto por livros como visto em filmes.
Provei e não gostei. Mas comi como me haviam ensinado.
Foi uma noite agradável.
Em casa, a cabeça estava totalmente embaralhada. Pelos ensinamentos do Abade e Prior do Mosteiro de São Bento, Dom Timóteo. E também por participar, junto ao dirigente da AP da Bahia e sua esposa, das delícias da comida burguesa. Eu, um radical da esquerda, não concebia usar de expedientes burgueses.
Para mim, a teoria não se reproduzia na prática.
Hoje, conversando com um ex-membro da AP e pertencente ao PC do B, veio a explicação:
-O comer caviar não era ato burguês. O comunista pode e deve viver bem. O ato burguês aí visto por você era desvio de formação ideológica.
Bem, não sei se aceito isto.
*Este artigo faz parte do livro MEMÓRIAS DE UM QUASE COMUNISTA, do autor.
Vida Fácil
*Manoel Frreira Lira
Menino pequeno, lá pelos fins dos anos 50, fiz minha primeira incursão nas casas das “mulheres de vida fácil” de Arapiraca, os cabarés da Rua 16 de Setembro, pertinho do Colégio Nossa Senhora do Bom Conselho (à época era Ginásio). Meu professor foi o mestre da alfaiataria Jurandir Braz.
Uma tarde, na garupa de uma bicicleta Monark, fui todo ancho conhecer aquilo de que tanto falavam maravilha: as mulheres que traziam alegria e prazer para os homens. Sempre guiado pelo Jurandir cheguei trêmulo à Rua 16. Em uma das “tocas” (assim eram chamadas as casas daquela rua), que tinha como dona uma mulher alta, bonita, maia gasta pelo tempo e trabalho, fui apresentado como amigo de meu guia. Recebí uma garrafa de guaraná Antárctica, espumante, e a saboreava enquanto meu mestre tomava cerveja.
Estava todo prosa e ria por dentro, com minha presença no “templo” das deusas como bem chamava o professor Miguel Valeriano, na sua verve incorrigível. Era como se fosse minha entrada triunfal na vida adulta. Leitor de gibis de Rock Lane, Bill Elliot, Hopalong Cassidy, Zorro, Rim Tim Tim, passava a ter meu primeiro contato com a vida mundana da Rua 16. E pelas mãos de Jurandir Braz, conhecido como conhecedor profundo daquela vida.
Lá pelas três horas da tarde, saímos da casa da bonita mulher e fomos até outra “toca”, eu e meu patrono. Essa, cheia de moças, louras, morenas, ruivas, bonitas e feias, gordas e magras.
-Esse é o Ferrerinha.
Era assim que me apresentava a todas as “meninas”. Bem ancho, saboreando outra garrafa de guaraná eu me deslumbrava com aquele mundo novo, cheio de luzes, mulheres com pouca roupa, mesas e cadeiras.
Foi quando tudo aconteceu. Irrompendo porta a dentro surgiu um homem alvo, forte e alto. Era o deputado Claudenor Albuquerque acompanhado de mais de dez homens. De todo tipo. De um preto chamado de Zé Macaco ao Alabê, passando pelo Perigoso.
Ao lado do deputado, seu cunhado, Major Ataíde, homem de mais de 1,80 m.
Sentaram-se ao redor das mesas, pediram bebida e conversavam freneticamente. Foi aí que o deputado Claudenor Albuquerque, homem temido em Arapiraca e na região, falou:
-Todo mundo nu. Não quero ninguém com roupa!
Meu mundo desmoronou. A minha satisfação, a minha alegria, o meu deslumbramento, tudo foi por água a baixo. Nu, eu que tinha vergonha de meus pertences. “Oh, meu Deus, e agora!”, pensei.
Tremia todo. Ainda de calças curtas, olhava para meu protetor, o Jurandir Braz, com olhar de “pidão”.
“Ajude-me, ajude-me”, gritava em silêncio.
Jurandir, sentindo minha aflição, dirigiu-se ao deputado e falou:
-Claudenor, deixe o menino por fora. Ele vai embora, tá nervoso, falou.
-Quem é ele, Jurandir? De quem é filho, perguntou o deputado
-Olha, ele é filho de “seu” Odilon, o cunhado do Agnelo.
-Ah, é dos Lira, né?
- É, completou Jurandir Braz. Deixe o menino ir embora.
O deputado olhou para os lados e me mandou ir embora.
-Vai, meu filho, ainda não é sua vez, Vá crescer!
A porta se abriu como um passe de mágica e saí sem olhar para os lados. Fixei meu olhar para frente, saí daquele bar, daquela “toca” e desembalei na carreira até em casa. Parecia que eu voava. Só sentia o vento no meu rosto.
Arfando, em casa despistei minha mãe, que queria saber o porque daquele cansaço, daquele suor por todo o corpo. Não disse nada, pois só pensava em meu corpo nu ao lado daqueles homens.
Passei muito tempo para voltar e freqüentar as “tocas” de Arapiraca
* É autor do livro Memórias de Um Quase Comunista, do qual este trabalho faz parte.
A CARRAPATEIRA
* Manoel Ferreira Lira
Eu me sentia reconfortado com as palavras de Dom Jerônimo de Sá Cavalcante. Reconfortado tanto no campo espiritual quanto no material, pois ele mostrava, de forma cristalina, o direito que todos tinham em lutar pela liberdade, pela independência e por uma vida melhor aqui na terra. Isto, sem dúvida, me alegrava, pois ia ao encontro de meus ideais, da minha participação na AP. Já disse algumas vezes que a AP se originou dos cristãos da JUC, da JEC e de outros movimentos menores surgidos na Igreja Católica.
Eu me enquadrava, ou me achava enquadrado, nesta posição.
Mas, qual o motivo que me havia levado a entrar na Ação Popular? Foi tão somente a vontade de querer ajudar a modificar as estruturas do Brasil? O meu engajamento na AP foi através de uma mudança ideológica?
Sinceramente, tudo me deixou dúvidas. Eu era AP, acreditava na AP, sentia ser a AP um movimento importante para combater a ditadura instalada e incrustada no poder. Para isto, lia muito. Lia para me fortalecer.
Hoje, tenho certeza que tudo começou muito tempo atrás, em 1954, quanto tinha oito anos. Nascido em dezembro de 1946, no município de Feira Grande, Alagoas, à época conhecida como Mocambo, distrito de São Braz, levava a vida de menino comum, de um lugarejo pequenininho, sem sonhos de lugar grande.
Num desses dias, lá para o mês de junho, saí com meus amigos malandrando pelos quintais afora. Já voltando para casa, resolvi subir num pé de carrapateira (ou, como muitos dizem, de mamona). Fraquinha, a galha da carrapateira não me agüentou. Caí por cima do braço esquerdo e uma dor atroz tomou conta de mim. Gritei muito e, olhando-o, vi que estava fraturado.
Saí correndo, gritando de dor e chorando, para casa. De imediato, meu pai levou-me à única farmácia do Mocambo, a do Zé Bayer. Meus amiguinhos, Paulo Arestides, Zequinha (o Quinha), não me acompanharam. Correram para suas casas.
Na farmácia do Zé Bayer, o homem mais letrado do lugar, metido a tocador de violão, fui logo atendido: gazes e mais gazes com gesso foram passadas ao redor do meu braço, bem apertadas, que era para encaná-lo logo, como disse o bem falante "farmacêutico".
Dois, três dias, não me lembro bem, já não agüentava mais de tanta dor. Numa rede de balanço, chorava e ardia em febre. Via coisas. O antebraço estava inflamado e o gesso apertava cada vez mais. Meus pais, então, resolveram levar-me até Arapiraca, Cidade mais próxima, e, já naquela época, a maior do interior do Estado. Lá, numa tarde de domingo, o médico - Dr. Valfrido - retirou imediatamente o gesse sufocante. Aplicou-me injeção. E concluiu:
-O menino deve ir logo para Maceió. Seu estado é grave. Não precisava ter feito nada disso. Bastava uma tala com gema de ovo e breu para consolidar o osso.
Apesar de tudo, do domingo para a segunda, depois de retirar o gesso e após a injeção não-sei-de-quê dormi pela primeira vez sem chorar e sem dor. Pela manhã, às 7:00 horas, eu e minha mãe subimos num trem que vinha de Porto Real do Colégio para Maceió - era o transporte mais certo da época. Chegamos às 17:00 horas na capital do Estado e fomos logo para o Pronto Socorro, um prédio de um andar, na esquina onde hoje funciona a Emergência 24 Horas da Santa Casa de Misericórdia.
Era hora de mudança de plantão do médico da emergência. O que estava - não me recordo do nome - imediatamente disse, quando viu meu estado, o braço cheio de borbulhas, de cor arroxeada, ainda inflamado:
-Preparem o material! Tenho de fazer a amputação logo, caso contrário o menino morre.
Eu, sem me dar conta da gravidade da situação, olhava para os cantos, sentindo aquele cheiro forte de éter e de remédio. Notei, porém, lágrimas no rosto de minha mãe.
Naquele instante, um homem baixinho, mais ou menos da altura de meu pai, não mais que 1,60m, entrou assobiando alto.
Era o Dr. Ascânio Jorge, médico ortopedista, que vinha substituir o plantonista.
-Que é isto? perguntou.
-Olha que sorte, respondeu o plantonista, chegou na hora. Eu ia fazer esta amputação. Deixo pra você!
Dr. Ascânio chamou-me para perto e ao tempo que me examinava ia perguntando para minha mãe o que tinha se passado. Durante alguns minutos ele pegava no meu braço, levantava-o, mandava movimentar os dedos, virá-lo para um lado e para outro. E disse:
-Olha, não vou amputar o braço do menino, não. Se a senhora (com minha mãe) confiar em mim, vou tratá-lo.
Aquilo era como música nos ouvidos de minha mãe. Pra mim, nada. Não tinha noção da gravidade do caso. Minha mãe aceitou logo, logo.
Dr. Ascânio foi logo gritando com os enfermeiros (era assim que trabalhava, gritando. Não era um grito de raiva ou de rispidez), tragam isto, tragam aquilo. Não me lembro que produtos. Sei, porém, que um deles tinha um aroma de bacalhau. Sim, sim, era óleo de bacalhau.
Deu-me remédio e orientou que dormisse com o braço acima da cabeça, para que a água das borbulhas evacuasse pela urina. E assim foi feito. Voltei a ele muitas e muitas vezes, não mais no Pronto Socorro, porém no outro lado, na Santa Casa, onde prestava serviço médico.
Era fácil de ir e vir, porque fiquei hospedado numa casa de pessoas conhecidas de meus pais, na rua Pedro Monteiro, ao lado da Santa Casa.
Meu tratamento durou cerca de dois anos e meio. Neste tempo, além do médico Ascânio Jorge, cuidou-me, a mando dele, a estudante de medicina Terezinha Ramirez. Salvo esquecimento, era monitora de turma. Com um braço defeituoso, cujo defeito é chamado de "isquemia de Falkner" (esse nome foi visto num livro grosso de Anatomia, que os estudantes carregavam pra cima e pra baixo, pelos corredores da Santa Casa com desenho e fotos, mostrando casos semelhantes ao meu).
DE 1954 a 1956 andava eu pelas ruas, quintais e monturos do Mocambo: o braço engessado, cheio de arames para esticar os dedos atrofiados, brincando com Quinha e Paulo Arestides, entre outros colegas. Sem raiva, sem vergonha, sem ódio. Em 1956, antes do fim do ano, veio a alta médica:
-Odilon (esse o nome de meu pai), não tenho mais que fazer. Seu filho está curado. Vai ficar marcado, com movimentos restritos na mão esquerda. Fiz o que pude!
Dizendo isto, Dr. Ascânio, em sua residência num lugar bem longe do centro, casa grande entre areias da praia, a Ponta Verde, complementou:
-Agora, quero o nome completo do dono da farmácia que fez isto com eu filho, para processá-lo.
Meu pai, acompanhado de meu padrinho, Juca Lira, respondeu que infelizmente não faria isto. E disse ao Dr. Ascânio:
-O senhor me desculpe, doutor, mas não posso fazer isto. O rapaz não fez por querer. Ele pensou estar fazendo o bem. Não posso deixar que o senhor processe. Não posso!
E assim fez. E assim se deu. Em dezembro de 1956 fomos morar em Arapiraca. Um dos motivos fui eu. Como não podia pegar num cabo de enxada, sem força na mão esquerda, tinha que estudar, ser alguém, que pudesse viver sem usar de força física. Em Arapiraca, estudei dois anos do primário no Instituto São Luiz, fiz admissão e o ginásio no Colégio Nossa Senhora do Bom Conselho (naquele tempo, chamava-se de ginásio). Depois, em 1963, comecei a cursar o científico no Colégio Central de Salvador, na Bahia, onde conheci Dom Jerônimo de Sá Cavalcante e Dom Timóteo Amoroso Anastácio
* É autor do livro Memórias de Um Quase Comunista, no qual este trabalho faz parte.
ARAPIRACA
92 ANOS DE PROGRESSO
(30 de outubro)
Uma plantação de fumo em Arapiraca. Foto extraída do livro CRIMES POLÍTICOS - PISTOLAGEM EM ARAPIRACA
Tudo começa em 1848 com as terras pertencentes a Marinho Falcão, que as transfere, por venda, a Amaro da Silva Valente. Um de seus genros, Manoel André Correia, quando voltava de Cacimbinhas, a percorreu por matas virgens, até encontrar um lugar fértil, quando descansou embaixo de uma árvore de Arapiraca. Para os historiadores, o nome da árvore vem de língua indígena, que significa Ara=periquito, poya=visitar, aca=ramos, ou “ramo que o periquito visita”.
Arapiraca está cheia de permeio, de gente vindo de fora à procura de um eldorado cada vez mais próspero, que se transformou, a partir dos anos 40/50, no maior crescimento entre as localidades de Alagoas. Tudo graças à visão de um pioneiro – o jovem Manoel André Correia, que recebeu as terras que chamou de Arapiraca como uma “prenda” pelo casamento.
Este local, sem dúvida, seriam as terras que o “Capitão José Joaquim do Cangandu” tinha para vender (uma légua quadrada de terra). Terras férteis!
“ Arapiraca é terra boa
Todo mundo diz que é
Terra de mulé bonita
Viva Manoé André”
(do livro A Cantiga da Destaladeira de Fumo de Arapiraca - do historiador Zezito Guedes)
A partir do recenseamento de 1920, figura como integrante do município de Limoeiro o distrito da Arapiraca, que foi elevada à categoria de município com a denominação de Arapiraca, pela lei estadual nº 1.009, de 30/05/1924, cujo autor foi o deputado Odilon Auto, desmembrando-se do município de Limoeiro. Sua sede é a cidade de Arapiraca, constituída do distrito sede, que foi, oficialmente, instalado em 30/10/1924.
Já naquela época, Arapiraca era vista como terra de progresso. O governador Fernandes Lima, que sancionou a lei da emancipação, assim se manifestou ao amigo Esperidião Rodrigues: “Acabo de sancionar projeto de lei criando o município de Arapiraca com cuja população laboriosa, adiantada, progressiva, congratulo-me por intermédio amigo, o grande, incansável paladino desta conquista, que representa o ato de justiça dos poderes públicos, a um povo que se levanta por si próprio, que tem iniciativa e que progride. Cordiais saudações, Fernandes Lima – governador do Estado.”
O primeiro prefeito foi Esperidião Rodrigues, que teve como vice-prefeito José Magalhães, tomando posse em 07 de janeiro de 1925.
Pelo decreto estadual nº 2.335, de 19/01/1938, o município de Arapiraca adquiriu o extinto município de São Braz, como simples distrito. Pelo decreto estadual nº 2.435, de 30/11/1938, o município de Arapiraca adquiriu do município de Traipu o distrito de Lagoa da Canoa. O mesmo decreto faz com que o distrito de São Braz deixe de pertencer ao município de Arapiraca, sendo anexado ao município de Traipu.
Vieram os distritos de Caraíba e Lagoa da Canoa, sendo que, entre 1939/1943, o município de Arapiraca é constituído de três distritos: Arapiraca, Caraíba e Lagoa da Canoa. Pelo decreto-lei estadual nº 2.909, de 30/12/1943, o distrito de Caraíba passou a denominar-se Craíba.
Quando dos fatos aqui narrados e descritos, isto é, desde 1956 até 2008, Arapiraca surge como município forte, progressista, num crescimento constante. Para isto, foi importante a vinda dos “forasteiros” de todo o nordeste, principalmente de municípios vizinhos. Como exemplo e para comprovar essa assertiva, deve-se destacar que o personagem principal do primeiro episódio, o vereador Benício Alves de Oliveira, é originário de Anadia (Alagoas). O deputado José Marques da Silva, personagem do segundo episódio, nasceu em Canudos (depois município de Belém, em Alagoas). E a terceira personagem, deputada federal Josefa Cunha dos Santos – Ceci Cunha – nasceu em Feira Grande, também Alagoas.
Efervescente e em ebulição, o município cresce rapidamente. Em 1950, Arapiraca assim era descrita pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística- IBGE: “Arapiraca: altitude – 298 metros; superfície – 346 Km2; vilas e povoados principais – vilas Lagoa da Canoa e Craíbas, e povoados: Veados, Rio Morto, Baixa Grande, Cavaco, Canafístula, Lagoa de Dentro, Lagoa do Rancho e Riachão do Traipu; população – 28.574 habitantes; instrução e saúde – Grupo Escolar Adriano Jorge (do governo estadual), Gabino Besouro, Deodoro da Fonseca, 30 de Outubro, 19 de Abril, Nossa Senhora do Bom Conselho, 10 de Novembro, 7 de Setembro, Padre Pio Correia, Odilon Auto, Dom Pedro II, Professor Domingos Rodrigues, Floriano Peixoto, Barão do Rio Branco, Presidente Roosivelt, Nossa Senhora do Perpétuo Socorro, Dr. Pedro Monteiro, Dr. Rodrigues de Melo e Antonio Leite da Silva (todas escolas municipais); particular - Instituto São Luís. “Médicos – Luís de França Aguiar e Edler Tenório Lins.”
E rapidamente, a partir dos anos 50, também surgem as desavenças, as lutas políticas, as intrigas, com “cabanos” (os correligionários da UDN) e “caras pretas” (os seguidores do PSD) se degladiando. Os que acompanhavam a UDN, União Democrática Nacional, eram liderados pela família Lúcio, o João, o José e o Manoel; os liderados do PSD, Partido Social Democrático, tinham na família Pereira Lima, Luís, o pai, e Claudenor, Cláudio e Claudesbel, os filhos, como líderes; seguiam-se, também, os Barbosa: Valdomiro, Florival e Djaci, o médico. Aliados a eles, Lourenço de Almeida, cunhado do primeiro Barbosa e suplente de vereador pela UDN/PTN. No início, a família Barbosa era aliada dos Lúcios e do médico José Marques da Silva.
Localização
Esta era Arapiraca nos anos 50/60, encravada na microrregião do agreste alagoano, cheia de vigor e de pistoleiros. Seus dados: situação geográfica: microrregião de Arapiraca. Hoje, seus limites são com Major Isidoro, Jaramataia, Girau do Ponciano, Lagoa da Canoa, Feira Grande, São Sebastião, Junqueiro, Limoeiro de Anadia, Coité de Nóia e Igaci. Altitude: 264 metros acima do nível do mar. Área: 614 km2. Clima: tropical semiúmido. Temperatura: máxima de 38° C e mínima de 21° C. Acesso: AL-110, AL-115 e AL-220.
Fumo, a riqueza
Desde o início que Arapiraca se destaca na plantação do fumo, tornando-se, no correr nos anos, no maior produtor do Brasil. Aliás, desde o século XIX, mais precisamente em 1848, que a cultura do fumo foi introduzida, tendo como pioneiro Francisco Magalhães, que, pela primeira vez, plantou o produto no curral de gado no quintal de casa. Daí o nome de curral de fumo.
Em 1922, a cultura se espalhou, tendo como principais agricultores, além de Francisco Magalhães, seus irmãos Rosendo Magalhães, Manoel Magalhães, João Magalhães, Marcelino Magalhães, além de Domingos Barbosa, Pedro Leão, Messias Bernardino, Tibúrcio Valeriano, Pedro Honorato, Ambrosino Lima, Vicente Correia, Manoel Leite, João Barbosa, Firmino Leite e João Ferreira.
Alguns anos após, os agricultores passaram a cultivar o fumo nos baixios. Na década de 20, a cultura do fumo passa a se desenvolver mais rapidamente. Com a emancipação do município, já em 1924, Arapiraca desenvolve-se tremendamente; a produção do fumo do município abastece as cidades de Penedo, Igreja Nova, Limoeiro de Anadia, Quebrangulo, Viçosa, Palmeira dos Índios.
Aparece, então, o fumo de rolo, que foi vendido primeiramente fora de Alagoas, em Caruaru e Águas Belas, no estado de Pernambuco. Surgem as figuras de Agapito Magalhães, Gregório Magalhães, Domingos Magalhães, Luiz Magalhães, Tibúrcio Magalhães, Domingos Lúcio da Silva, Rosendo Lima, Né Rosendo, Pedro Alexandre, José Lúcio da Silva, Manoel Leão, Rosendo Gama, João Nunes, Lino Barbosa, Manoel Lúcio Correia, Francisco Lúcio, Domingos Terto, Aprigio Jacinto, José Emídio, Gervásio Oliveira, José Honório, Pedro Romualdo, José Tertuliano, Domingos Honório, Antonio Leão, Domingos Romualdo, Lúcio José da Silva, Manoel Lúcio da Silva, Manoel Pereira Santos, João Lúcio da Silva, Antonio Ventura, Né Angelo, Izidro Leão, João Ventura, José Macário, Manoel Clarindo, José Ventura, André Leão, todos plantadores de fumo desta fase.
Os sítios
Arapiraca desenvolvia-se assustadoramente. O historiador Zezito Guedes, em seu trabalho “Arapiraca através dos tempos”, escreve sobre os arredores da cidade, onde as famílias cresciam: “Mesmo com a presença dos grandes latifúndios na década de 40, Arapiraca possuía um verdadeiro cinturão verde circundando a cidade; sentia-se o cheiro da vegetação logo na saída das ruas, pois ainda existia uma infinidade de ervas e frutas silvestres muito próximos do centro.
“Contudo, quando Arapiraca conheceu a fase de desenvolvimento a partir de 1950, o aspecto geral mudou muito, tendo em vista a mutilação desencadeada, tanto na área urbana, como na zona rural do município, onde foi destruída muita vegetação nativa para dar lugar à cultura de fumo.
“Assim, havia o sítio de Caititus, um recanto aprazível repleto de fruteiras: cajueiros, mangueiras, laranjeiras, goiabeiras, mamoeiros, cujos frutos eram consumidos pela família, vizinhos e amigos, pois naquela época não havia mercado. Hoje a cidade cresceu e absorveu os Caititus que, de sítio, passou a bairro.
“A Serra dos Ferreira, um dos sítios mais antigos, foi onde se instalaram os Ferreiras de Cacimbinhas. Era um lugar agradável, com muitas árvores frutíferas, onde o capitão João Ferreira criava pavões em quantidade.
“O Sítio Mocó, o reduto do velho Lúcio Gomes, foi o mais castigado pela evolução. Era no sítio Mocó que se realizavam animadas festas de fim de ano, frequentadas pelos jovens da sociedade arapiraquense. Quando asfaltaram o trecho da AL – 102, ligando Arapiraca a Taquarana, o asfalto destruiu totalmente o sítio Mocó com a igreja, riscando-o do mapa do município.
“A Lagoa de Dentro foi outro sítio que foi vítima da transformação ocorrida na zona rural, e praticamente foi eliminado, dando lugar a vastas plantações de capim para criação de gado. Era no passado o mais animado dos sítios e dava-se ao luxo de promover bailes carnavalescos, fazendo concorrência com o carnaval de Arapiraca. Naquele tempo se dizia que o povo de Lagoa de Dentro vivia de festa o ano inteiro.
“A Baixa Grande era um sítio onde estavam radicadas as tradicionais famílias – raízes de Arapiraca: José Emídio, Alexandre, Honório, Estevão, Messias, Bernardino e outras, que realizavam o chamado “derradeiro dia do fumo” e também animados pagodes do Gervásio. Existiam muitas fruteiras, onde o povo de Arapiraca costumava fazer passeios e piqueniques aos domingos e feriados. Suas festas de santos eram muito animadas.
“O Sítio Fernandes era, talvez, o mais antigo e foi onde Manoel André foi buscar telhas para cobrir a primeira casa que construiu em Arapiraca. Era um celeiro de almocreves e de bons tocadores de pé-de-bonde, onde havia muitas festas. Coberto de frutas nativas e densa vegetação, do sítio, hoje, resta apenas um próspero distrito de Arapiraca. O Sítio Guaribas era outro recanto muito animado e também um celeiro de frutas tropicais e onde a juventude da época costumava frequentar. Era lá que morava o velho Simão Lopes, figura boêmia e folclórica muito conhecida nas ruas de Arapiraca. Era um local onde o povo gostava de dançar o coco e cantar na colheita do fumo.
“Entretanto, o sítio mais festejado e procurado pela meninada de então era o saudoso Poço Frio, onde morava Né Magalhães, o velho Pedro Cavalcante e outros. Além das frutas comuns, existia uma infinidade de frutas silvestres como: umbu, jabuticaba, quixaba, massaranduba, pinha brava, azeitona, gogoia, juá e principalmente araçá.
“O Sítio Capiatã era um dos recantos bucólicos cheio de fruteiras: foi onde o fogueteiro Pedro Nunes edificou toda família e onde terminou seus dias. Atualmente, com a corrida imobiliária, o sítio ficou ligado ao centro urbano através da rua Pedro Nunes de Albuquerque. Mais adiante, vinha o sítio Macacos, com a Igrejinha da Menina, um local romântico onde o velho Beijo realizava a festa de São Pedro, com uma animado pagode até o amanhecer do dia.
“Logo após, está o sítio Massaranduba, outrora coberto de fruteiras, muita vegetação nativa e frutas silvestres. As festas na casa de Zé Vermelho, Luís Vicente, Tertuliano e as destalagens de folhas de fumo na casa do velho Euzébio, onde as moças cantavam o dia todo.
“No Sítio Cavaco residiam Antonio Ventura, João Ventura, Luiz Alexandre, José Macário, João Lúcio da Silva, e mais adiante Né Ângelo, Pero Alexandre, José Rufino, João Rufino, João Alexandre dos Santos e outros.”
(Do livro CRIMES POLÍTICOS - PISTOLAGEM EM ARAPIRACA, do autor)
Seja Escritor
CRIMES POLÍTICOS - PISTOLAGEM EM ARAPIRACA.pdf (106461480)
A Casa do Santo.pdf (10169076)
*Manoel Ferreira Lira
"Capítulo IV
Outros Lira
Alguns Lira, porém, vieram após e habitaram várias regiões do nordeste brasileiro, como Sergipe, Paraíba, Rio Grande do Norte, Ceará e Pará (chamado de Grão-Pará). Em Alagoas, mais precisamente no agreste alagoano, que até antes de 1817 era uma parte da Província de Pernambuco, os Lira chegaram descendo do Estado do Ceará, fugindo de uma grande seca. Assim diz a tradição oral. Essa mesma história oral afirma que esses Lira advieram da região do Cariri, no Ceará, de terras situadas entre Crato, Missão Velha, Brejo Santo, Juazeiro.
A história realmente afirma que no século XVII os irmãos João e José Mendes Lobato e Lira, portugueses, fizeram a primeira penetração (o que hoje chamamos de bandeira), subindo o leito do Jaguaribe-Mirim, advindo de Sergipe (localidade de Porto da Folha), conforme a Revista do Instituto Histórico e Geográfico de Sergipe (edição no. 36/2007), no artigo A PARTICIPAÇÃO DE SERGIPE NA COLONIZAÇÃO CEARENSE, de Luiz Eduardo de Magalhães. Diz ele: “De acordo com o Padre Araújo, os sergipanos chegaram ao Cariri lado a lado com os baianos e os pernambucanos. No entanto, não usaram a mesma rota, que era a chapada do Araripe e as nascentes do riacho dos Porcos, uma vez deixados o São Francisco e os riachos da Brígida e da Terra Nova. Os sergipanos teriam atingido a região através do eixo Rio Jaguaribe e Rio Salgado.
“Vindos de Itabaiana, Porto da Folha, Propriá, Vila Nova, Mucuri, Cotinguiba, entre outros, alcançaram aquele eixo atravessando o São Francisco e vencendo sucessivamente o vale do Pajeú, a Serra entre Pernambuco e Paraíba, os cursos do Piancó e Piranhas, a bacia do Rio do Peixe e o sul do Rio Grande do Norte”.
JOÃO MENDES LOBATO E LYRA
Diz ainda o autor do trabalho: “Registra João Brígido que a tradição e alguns documentos incluem entre os primeiros povoadores do Cariri cearense, alguns portugueses e brasileiros, “quase todos da Bahia e Sergipe”. Entre esses estão “João Mendes Lobato e seu filho o padre Antonio Mendes Lobato, moradores da Cotinguiba, os quais vieram diretamente ao Icó e daí, remontando o Salgado, que bem assinava o caminho seguido pelos primeiros invasores, vieram ter à Cachoeira, junto ao brejo de Missão Velha”.
“Essa entrada teria ocorrido entre os anos de 1678 e 1683.
“... De acordo com Brígido, em 1719 iniciou-se um inventário de bens situados na Barra do Rio Salgado, da ribeira do Jaguaribe, que constitui-se em importante documento sobre o povoamento daquela região. Esse inventário tratava dos bens do capitão Antonio Mendes Lobato, a quem havia morrido a mulher. Esse mesmo inventário confirma a tradição de que a família Lobato foi a que “veio primeiro a estabelecer-se com a criação de gados, no sul da província, desconhecido até então, e indica o rio São Francisco como ponto de emigração para o rio Salgado e suas imediações”. Através desse documento, sabe-se que a família Lobato conseguiu a primeira sesmaria de terras naquela região. Assim conclui Brígido: “o capitão Antonio Mendes Lobato e seus filhos tenente-coronel Antonio Mendes Lobato e Lyra, capitão João Mendes Salgado e padre José Lobato do Espírito Santo foram os primeiros possuidores do Cariri”.
No livro CIDADE DE FREI CARLOS, de autoria do padre Antônio Gomes de Araújo, o cidadão “João Mendes Lobato e Lira, coronel de Riacho dos Porcos, sergipano de Porto da Folha, às margens do Rio São Francisco, era filho de Antônio Mendes Lobato e Lira, sendo o único filho a permanecer no Carirí, no sítio que fundou” (livro A CIDADE DE FREI CARLOS, autor citado acima). Isto encontra-se no Livro de Registro de Batismo, de 1748 a 1764, fls. 86v, Paróquia de Missão Velha, Ceará.
Segundo o historiador Pedro Thebérge, em seu livro ESBOÇO HISTÓRICO SOBRE A PROVÍNCIA DO CEARÁ, “oito ou dez anos depois da primeira exploraçãoo do Cariri, por Medrado, por conseguinte em 1860 pouco mais ou menos, uma bandeira de 100 homens, conduzida pelo coronel João Mendes Lobato e seus filhos, entre os quais vinha um padre, por nome Antonio Mendes Lobato, todos moradores da Cotinguiba, atravessou o rio São Francisco entrou pelos sertões da Paraíba, ao poente da Serra da Borborema, explorou os sertões de Piancó, Pombal, Rio do Peixe; esteve na Formiga, onde encontrou-se com outra bandeira do Cariri, que também ia explorar estas regiões; e daí passou para o vale do rio Salgado, onde esteve dias no lugar em que se levantou o arraial do Icó. Daí subiu pelas margens do rio Salgado até o Cariri, onde escolheu para seu estabelecimento as margens do riacho dos Porcos, nos sertões situados ao nascente da extremidade da serra do Araripe”.
Ainda sobre a colonização do Cariri, afirma o padre Antônio Gomes de Araújo, citado no artigo A PARTICIPAÇÃO SERGIPANA NA COLONIZAÇÃO DO CEARÁ: “O traço sergipano, pois, à igual do pernambucano e baiano está, indelevelmente, impresso na fisionomia originária do coração do Cariri. Demonstro-o, com o fim principal de servir a quem, de futuro, venha a dar-se ao trabalho de escrever a historia do Cariri, ou a ocupar-se de seus aspectos sociológicos”.
Por outro lado, o padre Antonio Gomes de Araújo relaciona 160 sergipanos entre os colonizadores do Cariri, alguns dos quais destaca especialmente:
“João Mendes Lobato e Lira, natural de Porto da Folha, pertencia à família Lobato, pioneira na ocupação do Cariri. O coronel João Mendes Lobato e Lira é tido como uma exceção ao fato de que a família Lobato não teria criado raízes no Ceará. Mas a família Lobato é dada como fundadora de Missão Velha”.
Raimundo Girão, em seu trabalho BANDEIRISMO BAIANO E POVOAMENTO DO CEARÁ, publicado na Revista do Instituto do Ceará (preparado foi para contribuição ao 1o. Congresso de História da Bahia, que se realizou em março de 1949, em Salvador), acrescenta que, “em 1610, nas pegadas de João Correia Arnaud, veio o coronel João Mendes Lobato e um filho padre, António Mendes Lobato, com uma força de 100 homens, que chegou a Icó e, por intermédio dos índios Calabaças, estabeleceu contacto com os Cariris. Baptizando a uns e a outros, o padre Lobato pediu ao bispo de Pernambuco, D. Estêvão Brioso, um missionário e, vindo este, frei Carlos do Convento da Penha e italiano, abriu a Missão Velha e depois a Missão Nova e Miranda, de onde passou a Crato”.
No mesmo trabalho, o historiador apresenta uma outra versão dos fatos, citando o jornalista cearense João Brígido que informa que a segunda das entradas “parece ter sido conduzida pelo coronel João Mendes Lobato e seu filho o padre Antônio Mendes Lobato, moradores do Cotinguiba, os quais vieram diretamente ao Icó e daí, remontando o Sagado, que bem assinalava o caminho seguido pelos primeiros invasores, vieram à Cachoeira, junto ao brejo de Missão Velha.
“É, todavia, questão a resolver se este padre e este João Mendes Lobato são os dois primeiros descobridores, ou se já são descendentes destes. No primeiro caso, o padre se devia chamar José e não Antônio Lobato”.
Outro fato citado em seu trabalho, Raimundo Girão, informa que o coronel João Mendes Lobato e Lira, que adquiriu dos herdeiros de Manuel Rodrigues Ariosa as primeiras terras no Cariri, em 1716. Diz: “Nenhuma dúvida hoje mais resta sobre a chegada de sua numerosa família alí, o que se deu a partir de 1714. Também como os Montes, os Lobato eram de Penedo. O capitão Antônio Mendes Lobato, casado com Antônia Ferreira Lobato, teve muitos filhos, dos quais João Lobato, o padre José Lobato do Espírito Santo, Maria Ferreira Lobato, mulher de Domigos Álvares de Matos e Ana Lobato, inupta, viveram no Cariri. Os demais membros – afirmou Antônio Bezerra – assistiam no vale do São Francisco, e apenas, de quando em vez aparecia algum, que vinha, por si ou com procuração de outrem, vender terras herdadas do casal alagoano”.
Uma explicação rápida: inupta significa pura, solteira, donzela, pronta para casar.
Outras comprovações dos Lira na região do Carirí (que compreende Missão Velha, Brejo Santo, Barbalha, Crato, Juazeiro do Norte, Milagres, Jardim), são demonstradas pelas Sesmarias – lotes de terras incultas ou abandonadas, doadas pela Coroa Portuguesa a patrícios seus com a finalidade de torná-las produtivas e, inclusive, de conquistá-las dos índios. Os proprietários das sesmarias eram chamados de sesmeiros. Na região do Cariri foram dostribuídas inúmeras sesmarias aos desbravadores. Aqui, mostramos algumas distríbuídas aos Lobato e Lira, tanto ao João, ao Antonio e até ao padre José Lobato do Espírito Santo, filho de João Mendes Lobato e Lira; até à dona Antônia Lobato e à dona Izabel Lobato foram doadas sesmarias. As principais foram:
Sesmaria no. 22 – Ao tenente coronel Antônio Mendes Lobato e Lira, 3 léguas de comprido e uma de largo e meia para cima no Brejo da Barbosa, descoberto pelo requerente. Cedidas em 28 de janeiro de 1714. Vol 10o., página 40;
Sesmaria no. 23 – Aos srs. João Mendes Lobato, tenente Antônio Barreto de Jesus e José Lobato, moradores nesta capitania, 3 léguas de comprido e 1 de largo, a cada um deles, no rio Corrente, que se encontra por tras da serra do Araripe. Referido rio pertence à vertente do Jaguaribe. Cedida em 6-3-1714. Vol. 10o., página 42;
Sesmaria no. 46 – Ao tenente coronel Antônio Mendes Lobato e Lira, sargento mor Antônio Coelho de Lima, tenente Mateus Pereira Pimentel, sargento mór Antônio Barreto de Jesus e tenente João Alves Lima, 3 léguas de comprido com 1 de largo, a cada um deles, começando na Data das Ingazeiras. Cedida em 12-1-1717. Vol. 10o., página 85;
Sesmaria bo. 47 – A Feliz da Fonseca Jaime, tenente coronel Antônio Mendes Lobato, capitão Francisco Mirz de Matos, sargento mór Venceslau de Monter Pereira, tenente coronel José Bernardes Uchoa, capitão Gregório de Monter de Souza, 3 léguas e 1 de largo a cada um deles, começando nas ilhargas do rio Salgado, nas Ingazeiras, em toda a largura, buscando o sul até testar com a serra do Cariri, pela beira da serra até encontrar os últimos sesmeiros providos. Cedida em 26-2-1717. Vol. 10o., página 87;
Sesmaria no. 24 – Ao coronel Antônio Francisco da Piedade, Da. Inocencia de Brito Falcão e tenente coronel Antônio Mendes Lobato e Lira, moradores em Pernambuco, 3 leguas de Brejo de comprimento e 1 de largo, a cada um deles, correspondendo as 3 leguas aos 3 brejos encontrados pelos mesmos, de norte para o sul, fronteiras à serra do Cariri, começando na ilharga do rio Corrente para cima. Cedidas em 23-1- 1714, vol. 10o., página 44;
Sesmaria no. 412 – Ao tenente coronel Antônio Mendes Lobato e Lira e ao alferes João Mendes Lobato, com 3 leguas de comprimento com 1 de largo, a cada um deles, ao riacho Genipapeiro, nas ilhargas do capitão Antônio Mendes Lobato, concedida em 7-7-1718. Vol. 6o., pagina 78;
Sesmaria no. 118 – Ao comissário geral Antônio Mendes Lobato Lira e capitão Antônio Mendes Lobato, 3 leguas de comprido e 1 de largo, a cada, nas ilhargas de uma das Datas de AntÔnio de Brito, num riacho entre o arraial do meio e a Cachoeira. Cedida em 15-5-1724. Vol. 11, páginas 186-187;
Sesmaria no. 119 – Ao comissário geral Antônio Mendes Lobato Lira e ao capitão Antônio Mendes Lobato, 3 leguas ao comprido e 1 de largo, para cada um, no riacho que faz barra na Cachoeira. Cedida em 15-5-1724. A referida terra fica nas ilhargas da de AntÔnio de Brito. Vol. 11, pagina 188.
Há, ainda, as sesmarias de nos. 137, 138, 144, 698, todas doadas aos Mendes Lobato e Lira.
Na dissertação de mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal Fluminense, com o título de AS MILÍCIAS D’EL REY: tropas militares e poder no Ceará setecentista, José Eudes Arrais Barroso Gomee publica a “relação dos sesmeiros que obtiveram datas de sesmarias em número superior a quatro. Alí estão os nomes de Antônio Mendes Lobato e Lira (tenente-coronel de milícias), com 07 sesmarias e Antônio Mendes Lobato (capitão), com 06 sesmarias.
IN LOCO
A partir de uma pesquisa in loco (Crato, Juazeiro, Missão Velha e Missão Nova), inclusive na biblioteca da URCA – Universidade Regional do Cariri, no Crato - através dos livros A CIDADE DE FREI CARLOS e POVOAMENTO DO CARIRI, ambos de autoria do padre Antônio Gomes de Araújo, e DVDs com todo o acervo da Paróquia de Missão Velha (batizados, casamentos, a partir do século XVIII) cedidos pelo historiador João Bosco André (de Lira), segue um levantamento verossímel sobre os Lira que povoaram o Cariri cearense e que, certamente, são a origem dos Lira do agreste alagoano:
RAÍZES SERGIPANAS
(Século XVIII)
*Padre Antônio Gomes de Araújo
"Grupo humano, que ignora as próprias raízes étnicas e sociais, convergentes no momento histórico de sua formação, perfila-se qual filho bastardo, alheio, por exemplo, à trama que presidiu seu aparecimento, e à explicação, no presente, das tendências legadas pelos elementos formadores.
"Felizmente, assim não ocorre com a gens caririense, cujos fundamentos étnicos e sociais se constituiram de colonos pernambucanos, baianos, sergipanos, inclusive pequena cota de portugueses e indígenas.
"...
"Agora, é a vez dos sergipanos, aqui chegados, lado a lado de baianos, e pernambucanos no século 18, vencendo os caminhos batidos pelos sesmeiros pioneiros, em cujos sesmos se instalaram por acostamento ou compra.
"Não chegaram, como muitos colonos baianos, seus cuevos, pisando a chapada da Serra do Araripe e as nascentes do Riacho dos Porcos, deixados, atrás, o Rio São Francisco e os riachos da Brígida e da Terra Nova. Partiram, no Ceará, do eixo social distribuidor do Rio Jaguaribe, e, pelo "Salgado", atingiram esta região.
"De seus pagos de origem em Sergipe-Itabaiana, Porto da Folha, Propriá, Vila Nova, Mucuri, Cotinguiba, entre outros, alcançaram aquele eixo, atravessando o "São Francisco", vencido o vale do Rio Pajeú, vingado a serra entre Pernambuco e Paraíba, superados os cursos secos do "Piancó" e do "Piranhas", palmilhados a bacia do Rio do Peixe e o sul do Rio Grande do Norte.
"O grande motivo: a fundação de currais, fundamento de uma civilização original, eclodida na hiterlândia nordestina, conhecida, já, em seus inícios, dos sergipanos, antes de sua arrancada para o norte, de mistura com os baianos.
"...
"O número de colonos sergipanos, convergentes na formação do complexo social do Cariri, está aquém daquele calculado por certos cronistas. Encontrei traços visíveis de sua presença apenas nos vales de Barbalha, M. Velha e Crato, ou seja, no coração desta zona. Alguns surgem, afirmativos. Em M. Velha a aristocracia rural dos Correia da Silva. Segue-se o Coronel João Mendes Lobato, o único elemento da família Lobato a permanecer e a morrer nesta zona. Os outros apenas demoraram onze anos, 1714-1725, quando adquiriram terras calculadas em 70 léguas quadradas, que venderam a retalho.
"...
"O traço sergipano, pois à igual do pernambucano e baiano, está, indelevelmente, impresso na fisionomia originária do coração do Cariri. Demonstro-o, com o fim principal de servir a quem, de futuro, venha a dar-se ao trabalho de escrever a história do Cariri, ou a ocupar-se de seus aspectos sociológicos.
Continua o padre Antônio Gomes de Araújo, em suas Raízes Sergipanas:
"JOÃO MENDES LOBATO E LIRA (coronel), citado, natural do Rio de Baixo, Porto da Folha, margem sergipana do Rio São Francisco. (Liv. do reg. de Bat., M. Velha, 1748-64, f. 86). Pertencia à celebre família Lobato, magnata de terras neste Cariri, 1714-25, em grandes proporções, que os colonos o julgavam dono da região ("Algumas Origens do Ceará", Antônio Bezerra). Transacionista, essa família adquiriu essas terras a léguas, em sesmarias e por compra, e as vendeu a retalho aos autênticos povoadores do Cariri, que ela, embora composta de oito membros, não povoou, exceção do coronel mencionado, casado, este, sucessivamente com Cosma da Costa e Clara da Gama.
"Isabel Lobato do Espírito Santo, casada com João Pereira Souto (Liv. cit. f. 86), filha do sesmeiro coronel João Mendes Lobato e Lira, patriarca de M. Nova, de M. Velha.
"Dos outros membros da família, igualmente estabelecidos nesta zona, não tiveram filhos: Maria Ferreira da Silva, esposa do capitão-mor Domingos Álvares de Mato, e Ana Lobato, que morreu inúpta. Os outros mudaram-se, em 1725, para Alagoas, sua terra de origem, e, de lá, venderam seus grandes latifúndios rurais que possuíam no Cariri.
"Dos filhos do coronel João Mendes Lobato e Lira, sem contar Isabel, já referida, Joana Lobato, João Ferreira Lobato e Quitéria Lobato casaram-se, respectivamente, com Inácio de Figueiredo Adorno, categorizado colono baiano, fixado em "Salamanca" (Barbalha); Beatriz de Melo (Liv. de reg. de Cas., M. Velha, 1765-70, f. 30 e Liv. de reg. de Bat. da mesma freg., 1748-64, f. 3) e Antônio Coelho Rezende, baiano (Liv. cit., f. 82). Outra filha do patriarca, esta natural, Maria da Conceição, convolou núpcias com Pedro Pareira de Mendonça (Liv. de reg. de Cas., M. Velha, 1790, f. 43).
"O coronel João Mendes Lobato e Lira, eis uma exceção à afirmativa de Antônio Bezerra em "Algumas Origens do Ceará", pág. 164: "O Cariri não foi povoado por gente da família Lobato".
* (O autor escreveu este trabalho em 1957, na Revista ITAYTERA, no. 3, volume III, órgão do Instituto Cultural do Cariri, Crato-CE)
No livro, A CIDADE DE FREI CARLOS, do mesmo padre Antônio Gomes de Araújo, editado pela antiga Faculdade de Filosofia do Crato, ano de 1971, o autor relata, na página 40:
"O coronel João Mendes Lobato e Lira (este seu nome completo), natural de Sergipe, Porto da Folha (Livro de registro de batizado, 1748-1764, fls. 86-verso, paróquia de Missão Velha, foi o único dos filhos do capitão Antônio Mendes Lobato a permanecer no Cariri, no sítio que fundou, Missão Nova, onde, em seu nome e dos irmãos e cunhados, que com o tempo haviam voltado à terra de origem e naturalidade, o citado Porto, vendia as suas e as terras que eles haviam deixado nesta zona. Assim, em 1734, vendeu os sítios "Buriti Grande" e "Muritizinho", cujas terras se integram no município caririense de Mauriti. Um dos grandes representantes da colonização inicial do Cariri, teve numerosa prole, legítima e ilegítima, e casou toda, na aristocracia rural dos vales de Missão Velha e Salamanca".
Em carta, datada e 13/7/1948, ao Dr. Irineu Pinheiro, o padre Antônio Gomes de Araújo referia-se, assim, aos Lobatos:
"Sabemos que Antônio Mendes Lobato, Antônio Mendes Lobato e Lira e o Padre José Lobato do Espírito Santo e Manoel Rodrigues Ariosa foram os primeiros no Cariri. João Mendes Lobato, filho de Antônio Mendes Lobato, surge nas crônicas eclesiásticas de batizamento, como afazendado em Missão Nova desde 1735, quando já é casado e tem filhos, época em que tem por esposa Cosma da Costa. Em 1762, tem outra esposa, Clara da Gama. Faleceu em 16.12.1793 e foi sepultado na Capela de Missão Nova".
Em junho de 1950, o padre Antônio Gomes de Araújo, escreve, mais uma vez, carta ao Dr. Irineu Pinheiro (intelectual de Crato, Ceará), onde diz:
"Para suas notas: o coronel João Mendes Lobato, o Abrahão da antiga Missão Nova, é de naturalidade sergipana - Rio de Baixo, Portop da Folha, à margem do rio São Francisco (Livro de batizado, paróquia de Missão Velha, 1.758/1.764, fls. 86, Cúria cratense)
"Porto da Folha pertence à comarca de Propriá (Revista do Instituto Histórico e Geográfico de Sergipe, No. 19-1945-1948, Vol. XIV, p. 117).”
Em um trabalho nomeado A BAHIA NAS RAÍZES DO CARIRI (Século XVIII), publicado na revista Itaytera, ano 1, número 1, Crato-CE, o padre Antônio Gomes de Araújo assim se manifestou:
"Os colonos baianos, lado a lado de seus congêneres de outras procedências, foram os autênticos povoadores do Cariri. Os sesmeiros representaram o papel de posseiros: açambarcaram as terras e aforaram-nas e venderam a retalho. Com exceção do coronel João Mendes Lobato, assim agiram os outros 7 Lobatos, que chegaram a possuir na região, de 1714 a 1725, 70 léguas de terra em quadro".
Por outro lado, no livro de registro de batizados de Missão Velha, de 1748 a 1764, e no livro de registro de casamento, também de Missão Velha, de 1765 a 1770, entre outros, encontram-se:
"Quitéria Lobato e Lira, filha do patriarca de Missão Nova, coronel João Mendes Lobato e Lira, casada com Antônio Coelho de Resende, natural de Salvador (Livro cit. fls. 82);
"Joana Lobato e Lira, filha do coronel João Mendes Lobato e Lira, casada com Inácio de Figueiredo Adorno, de Salvador (Livro de Registro de Casamentos, M. Velha, 1765-1770, fls. 38);
"Isabel Lobato do Espírito Santo, filha do coronel João Mendes Lobato e Lira, casada com João Pereira Souto (Liv. cit. f. 86);
"João Ferreira Lobato e Lira, filho do coronel João Mendes Lobato e Lira, casado com Beatriz de Melo (Liv. de reg. de Cas. M. Velha, 1765-1770, f. 30);
"Maria da Conceição Lira, filha natural do coronel João Mendes Lobato e Lira, casada com Pedro Pereira de Mendonça (Liv. de reg. de Cas., M. Velha, 1790, f. 43)".
No livro de batismo de Missão Velha, cópia digitalizada em DVDs, de 1860, encontram-se:
José, filho de Joaquim Pereira de Lyra e Maria Joaquina, batismo em 12/12/1860 (03239);
João, filho de Leandro Caetano de Lyra e Joaquina Lyra, batismo em 27/12/1860 (03238);
José, filho de Francisco José de Lyra e Izabel Maria, batismo em 04/11/1860 03231).
De tudo apresentado até o presente, verifica-se que os Lira que habitaram e habitam o Mocambo de Alagoas (hoje Feira Grande), percorreram, a partir de sua chegada ao Brasil, o seguinte intinerário:
Início - Porto da Folha, SE, às margens do Rio São Francisco, até a região do Araripe, CE, conhecida como Cariri (século XVII);
Permanência - Durante fins do século XVII e até meados do século XVIII, habitaram, colonizaram e viveram na região do Cariri, e, principalmente em Missão Nova, Missão Velha, Brejo Santo, Salamanca (Barbalha), Crato e Juazeiro;
Volta - Em fins do século XVIII, alguns dos herdeiros do coronel João Mendes Lobato e Lira fizeram o caminho de volta, estabelecendo-se às margens do Riacho Piauí, Alagoas, onde hoje está o povoado do mesmo nome, no município de Arapiraca. Daí, seguiram, em direção ao Mocambo, Mocambinho e Poço do Boi, todos no hoje município de Feira Grande. Um dos Lira foi habitar no atual município de Junqueiro, Alagoas".
*Cap'itulo do livro OS LIRA/MOCAMBO/ALAGOAS